Entre pares

Período de transição. Esse foi o termo mais usado pela comunidade científica para definir a gestão de Aloizio Mercadante à frente do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Mercadante ficou pouco mais de um ano no cargo e o deixou para assumir o Ministério da Educação. Cedeu lugar, semana passada, ao físico Marco Antônio Raupp, até então presidente da Agência Espacial Brasileira.

Para boa parte da comunidade científica, Raupp ‘entende das coisas’

Quem defende a visão de ‘transição’ afirma que Mercadante foi uma ponte entre dois ministros. No caso, o seu antecessor, Sergio Rezende, e Raupp. A opinião é embasada pela ideia de que, assim como Rezende, Raupp é físico e tem trânsito mais fluido na comunidade científica. No chavão popular, ele ‘entenderia das coisas’.

Além disso, é visto com bons olhos o fato de Raupp ter um perfil técnico e apartidário – outra semelhança com Rezende, que, apesar de ter vínculo com o PSB, não é associado tão claramente a um partido político como acontece com Mercadante e PT.

“Mercadante foi um ministro entre dois ministros. Não acrescentou, mas não significou recuo”, disse à CH On-line o físico Ennio Candotti, vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), instituição da qual Raupp, assim como o próprio Candotti, já esteve à frente.

“A verdade é que ele teve pouco tempo para inovar e dar novos passos para a consolidação de uma política de ciência e tecnologia”, completou.

Futuro do MCTI

Candotti atua também como diretor do Museu da Amazônia. Intimamente ligado às questões da região, afirma que a implantação de um sistema mais sólido e menos centralizado de ciência e tecnologia é um desafio para as próximas décadas.

“É fundamental que se crie nas regiões menos centrais do país condições para jovens pesquisadores desenvolverem trabalhos que dialoguem com a realidade local”, defende.

Otimista sobre Raupp – “Conheço-o há anos e sei de suas competências” –, Candotti elogiou o discurso do ministro durante a posse, que ocorreu na semana passada em Brasília.

“Passou quase despercebido, mas gostei muito de quando Raupp falou sobre os fundos setoriais, em especial o CT-Petro – essa é uma questão fundamental”, diz o físico, referindo-se à verba destinada à pesquisa científica, agora ameaçada em função da mudança na legislação dos royalties do petróleo.

Assista ao vídeo da posse de Marco Antônio Raupp

 

Reativação dos grandes projetos

“O problema da falta de recurso acabou mascarando um pouco a necessidade de algumas tomadas de posição importantes; faltou ousadia para levar alguns projetos à frente,” falou à CH On-line Ronald Shellard, vice-diretor do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), a respeito da gestão de Mercadante.

Shellard citou explicitamente a demora do Brasil em ratificar o acordo com o Observatório Europeu do Sul (ESO) para a construção do maior telescópio do mundo no deserto do Atacama, no Chile.

O documento, assinado em 2010 por Sergio Rezende, previa a entrada do país como o único membro não europeu da instituição, sob a contrapartida de garantir suporte financeiro para o projeto.

A omissão em relação a projetos de ponta durante a gestão de Mercadante é abertamente debatida pela comunidade científica

A omissão em relação a projetos de ponta durante a gestão de Mercadante é abertamente debatida pela comunidade científica.

O próprio Raupp, em seu discurso de posse, apontou o reator multipropósito do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares e o novo anel de luz síncrotron como fundamentais para o desenvolvimento da ciência brasileira, reafirmando a necessidade de viabilizá-los financeiramente – “Nem que para isso o orçamento seja distribuído por vários anos”, afirmou.

Segundo Shellard, não se constrói um país sem ambição, qualidade que o novo ministro teria de sobra. “Raupp tem uma visão clara sobre os desafios do país para saber o quão importante são esses grandes projetos”, diz.

Conselhos para um amigo

Jacob Palis, matemático que preside a Academia Brasileira de Ciências (ABC), também foi ouvido pela CH On-line. Assim como Candotti e Shellard, é só elogios a Raupp. “Ele é do tipo que pega a mala e vai embora caso não esteja satisfeito; mas é muito competente, então não precisará fazer isso.”

Palis: “Raupp é do tipo que pega a mala e vai embora caso não esteja satisfeito”

Palis chama a atenção do novo ministro – “um amigo de muitas décadas”, em suas palavras – para “a necessidade de fazer crescer com excelência os recursos humanos da ciência brasileira”. Segundo ele, “os nossos salários são competitivos”, e atualmente “podemos inclusive importar cérebros, se assim for necessário”.

Além disso, o presidente da ABC, que encontrará Raupp na próxima terça-feira, dará outro conselho ao ministro: ser firme na meta de consolidar o repasse de 1,8% do Produto Interno Bruto para o MCTI até 2014. Palis pretende também reafirmar ao amigo a necessidade de o país produzir satélites e lançadores – “assunto tão caro a Raupp e sobre o qual estamos rodopiando há anos; temos que sair do lugar”.

Pelo visto, não faltará apoio das principais instituições científicas do país para que Raupp siga em frente.

Thiago Camelo
Ciência Hoje On-line