Força estranha

Em dias de Copa do Mundo fica bastante evidente a importância do futebol na nossa vida social. Assim, o espaço a ele destinado nos meios de comunicação é aumentado, e são desencadeadas uma série de campanhas e promoções comerciais tendo como motivação a Copa; há, enfim, uma espécie de “contaminação” de outras áreas de nosso cotidiano pelo futebol.

Qual a razão disso tudo? Uma resposta bastante comum a esta indagação afirma que, “na realidade”, toda essa movimentação não passaria de um enorme esforço de mistificação planejado pelo governo, que estaria interessado em supervalorizar o futebol para fazer com que, em um ano de eleições, a crise econômica e os problemas políticos fossem relegados a um segundo plano pela população.

Sem descartar inteiramente esta possibilidade, creio que a resposta a essa pergunta exige que discutamos problemas bem mais difíceis do que os que se resumiriam numa simples “conspiração” governamental. De fato, mesmo que aceitássemos plenamente esta hipótese, ainda teríamos de explicar por que essa tentativa de manipulação tem como alvo precisamente o futebol, e não outro esporte ou outra atividade qualquer. Ou será que o nosso Estado é tão poderoso que pode escolher livremente as áreas em que irá iludir a população, impondo seus projetos à sociedade como se escrevesse numa folha de papel em branco?

Na verdade, acredito que as propostas que visam à utilização ideológica do futebol, como, por exemplo, ocorreu na Copa do Mundo de 1970, são elaboradas exatamente porque a popularidade deste independe, no fundamental, de todo apoio ou patrocínio estatal. Este argumento, que contraria inteiramente a explicação que vínhamos debatendo, faz com que as tentativas de manipulação do futebol, feitas pelo Estado ou qualquer outra entidade política, apareçam como conseqüência de sua prévia importância, e não como fonte se seu prestígio.

Se isto é verdade, se o sucesso popular do futebol não é produzido por ninguém, mas depende de uma lógica e de um poder de mobilização intrínsecos, somos, então, colocados diante de uma questão extremamente complexa, que é a de tentar compreender as razões que criam o verdadeiro “fascínio” provocado pelo futebol em nossa sociedade.

Uma resposta cabal a esta pergunta, contudo, parece ser muito pouco provável. Além da dificuldade do tema, e das naturais limitações de espaço deste artigo, é preciso também levar em conta o fato de que existem pouquíssimos trabalhos que tentem pensar sociologicamente o mundo do futebol. Dessa maneira, procurar esgotar o assunto, “resolvendo” o problema através de alguma fórmula, seria um procedimento totalmente descabido, e quase ridículo.

Creio, entretanto, que é possível tentar levantar algumas hipóteses que, somadas às análises já existentes, possam ajudar-nos a entender melhor a enorme força e popularidade do futebol entre nós. Essas hipóteses, que tentarei desenvolver a seguir, implicam em definir o mundo do futebol como um contexto no qual predominam valores democráticos, marcados por idéias de liberdade e igualdade.

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artigo originalmente publicado em
Ciência Hoje 1, julho/agosto 1982
Ricardo Benzaquen de Araújo,
Centro de Pesquisa e Documentação
de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc),
Fundação Getúlio Vargas