Igualdade, a fronteira final

Em junho de 1963, apenas dois anos depois do voo pioneiro de Yuri Gagarin, a União Soviética enviou a primeira mulher ao espaço, Valentina Tereshkova. Cinco décadas mais tarde, o mundo mudou, a URSS nem existe mais, mas as mulheres ainda lutam pela igualdade. No espaço, essa conquista parece um pouco mais próxima, a julgar pela nova turma de candidatos a astronautas anunciada na semana passada pela agência espacial norte-americana (Nasa): dos oito selecionados, quatro são mulheres. Ontem (26/06) a missão que levou a segunda chinesa ao espaço também retornou em segurança à Terra

A Nasa recebeu seis mil inscrições, a maior procura já registrada no processo e também a mais equilibrada – metade dos candidatos eram mulheres

Os oito candidatos a astronauta selecionados pela Nasa foram escolhidos entre mais de seis mil candidatos. Foi a maior procura que a agência espacial já recebeu e também a mais equilibrada – metade dos candidatos eram mulheres. O anúncio do grupo foi feito no último dia 17, próximo à comemoração do voo de Tereshkova e do aniversário da missão que levou a primeira norte-americana ao espaço, Sally Ride, em 1983. 

Segundo a bióloga Jessica Meir, uma das selecionadas, os próximos dois anos serão de muito trabalho, com treinamentos de sobrevivência, de voo, de robótica e até de russo, além de instruções sobre diversos temas científicos. Completada essa fase, eles aguardarão sua chance de ir ao espaço. “Seremos treinados para estadias longas, para missões a bordo da ISS [Estação Espacial Internacional] e até para possível exploração de asteroides e de Marte”, conta Meir. “Será simplesmente incrível participar dessas aventuras!”

Astronautas selecionadas
As quatro mulheres da próxima turma de astronautas da Nasa (Meir e McClain, acima, Mann e Hammock, abaixo) passarão por um intensivo período de treinamento de dois anos. No futuro, poderão integrar tripulações de viagens para asteroides e até para Marte. (fotos: Nasa)

Outra selecionada, a engenheira elétrica Christina Hammock, comemora o equilíbrio entre homens e mulheres no processo e o aumento da participação feminina na ciência. Na exploração espacial, embora ainda sejam minoria, elas ganham espaço: excetuando-se a nova turma, 12 dos 49 astronautas da Nasa são mulheres – e a agência desenvolve iniciativas para despertar nas meninas a paixão pelas ciências exatas. “Na física e na engenharia, ainda há grande predomínio de homens, mas hoje as jovens têm mais exemplos para se inspirar do que eu tive, as barreiras estão diminuindo”, avalia Hammock. 

Movida a desafios e apaixonada por divulgação e educação científicas, Meir já participou até de expedições na Antártica, mas acredita que esse será seu maior desafio. “Tudo ainda é um pouco surreal, ser astronauta é o sonho da minha vida”, comemora. “Será uma experiência muito intensa e fico feliz de poder inspirar novos exploradores e cientistas.” Hammock completa: “Espero corresponder a essa honra mostrando a todo jovem que é possível seguir seus sonhos, paixões e habilidades naturais.”  

Uma história de mulheres e estrelas

Além de Meir e Hammock, o grupo conta com Nicole Mann e Anne McClain, ambas pilotos das forças armadas dos Estados Unidos. Elas passaram por um exigente processo seletivo, mas a história de sua futura aventura começou bem antes – há 50 anos, com a viagem de Tereshkova. Filha de uma operária e de um condutor de trator, ela trabalhava numa fábrica quando foi selecionada pelo programa soviético. Meses de treinamento e 120 saltos de paraquedas depois, decolou a bordo do foguete Vostok 6, em 16 de junho de 1963, aos 26 anos. Apesar de raramente falar sobre a viagem, recentemente declarou que gostaria de integrar uma missão a Marte – mesmo que numa viagem só de ida! 

Pioneiras do espaço
A pioneira espacial, Valentina Tereshkova, da União Soviética, e a chinesa Liu Yang, a primeira de seu país a ir ao espaço, quase cinco décadas depois. (imagens: Roscosmos e China Ministry of National Defense)

O pioneirismo soviético não estimulou muito os Estados Unidos – afinal, Sally Ride só chegaria ao espaço 20 anos depois. Porém, de lá pra cá, a participação feminina na exploração espacial cresceu rapidamente. Um fator importante para isso foi a criação dos ônibus espaciais, no início dos anos 1980. Eles permitiram a formação de times com especialidades muito diversas, com conhecimentos avançados em muitas áreas científicas e tecnológicas, o que também abriu espaço para uma saudável diversidade cultural e étnica.

Em 1995, Eileen Marie Collins tornou-se a primeira mulher a pilotar um desses ônibus, o Discovery. Dez anos depois, foi a primeira a voar após o desastre do Columbia, que matou sete astronautas em 2003. Mas talvez o momento mais simbólico dessa trajetória de conquistas tenha ocorrido em 2007, quando duas mulheres em posições de comando de missões espaciais distintas, ambas norte-americanas, se encontraram pela primeira vez no espaço. Pam Melroy, comandante do ônibus espacial Discovery, encontrou-se, a bordo da ISS, com Peggy Whitson, primeira a comandar uma missão na estação.

Em seus últimos dias a bordo da ISS, Sunita Willians realiza um tour pelas instalações da estação

Em 2012, outra norte-americana, Sunita Williams, de descendência indiana e eslovena, tornou-se a segunda mulher a comandar uma missão na ISS. Também no ano passado, a China lançou sua primeira mulher ao espaço, Liu Yang, para uma missão de dez dias. O voo ocorreu nove anos depois do primeiro voo tripulado do ambicioso programa espacial chinês. Ontem (26/06), a segunda missão chinesa tripulada por uma mulher retornou em segurança à Terra, após 15 dias em órbita. Wang Yaping foi a 57ª mulher a participar de uma viagem espacial.

Quando será que veremos a primeira sul-americana – ou, quem sabe, brasileira – no espaço?

Marcelo Garcia
Ciência Hoje On-line