Mais próximo do sonho

No mês passado, cientistas do Observatório Europeu do Sul (ESO) anunciaram a descoberta de um planeta orbitando uma das três estrelas que formam o sistema estelar Alfa Centauri. Ao se deparar com a notícia – tema do último Estúdio CH e da coluna ‘Física sem mistério’ –, muitos podem ter pensado “Mais um exoplaneta, grande coisa” e retomado a sua rotina.

Alfa Centauri é o sistema estelar mais próximo de nós, a ‘apenas’ 4,3 anos-luz de distância

Realmente, considerando que já se descobriram quase 900 planetas orbitando outras estrelas que não o Sol, entusiasmar-se com mais um parece difícil; mesmo sendo ele o primeiro exoplaneta similar à Terra, pelo menos em massa, descoberto ao redor de uma estrela muito parecida com o Sol.

Este texto vai explicar por que você deveria estar pulando de alegria, especialmente se você for um nerd como eu. A razão é simples: Alfa Centauri é o sistema estelar mais próximo de nós, a ‘apenas’ 4,3 anos-luz de distância. Isso quer dizer que a luz, a coisa mais rápida do universo, leva cerca de quatro anos para chegar lá partindo daqui.

‘Arroz de festa’ espacial

Essa ‘proximidade’ de Alfa Centauri capturou a imaginação de escritores e cineastas de ficção científica, que passaram a ver esse sistema como a parada mais lógica na então futura exploração humana do espaço sideral. Toda essa atenção transformou nosso vizinho num – perdoem o trocadilho – astro do gênero.

Os clãs da lua de AlfaNa literatura, há aparições de Alfa Centauri desde a década de 1940, como no conto Homo Sol, de Isaac Asimov, que também inclui o sistema em sua série Fundação. Clãs da Lua Alfa, de Philip K. Dick; A pegada, de Larry Niven & Jerry Pournelle; e mesmo Neuromancer, de William Gibson, que não lida com viagem espacial, são obras que citam em maior ou menor grau o sistema estelar.

Na TV, Alfa Centauri faz participações nos seriados Perdidos no espaço, em que era o destino da família Robinson antes de ela se perder, e Jornada nas estrelas, na qual foi o lar temporário de Zephram Cochrane, inventor do motor de dobra.

Já no cinema, o sistema contém o gigante gasoso Polifemo, cuja lua Pandora é o cenário para o filme Avatar, de James Cameron.

O astro aparece também em vários jogos, como a continuação de Civilização, o jogo de computador Sid Meier’s Alpha Centauri.

Nos quadrinhos, o sistema é o lar de Cybertron, o planeta natal dos Transformers. Esses são apenas alguns exemplos. Para uma lista mais completa, dê uma olhada nesta página da Wikipedia em inglês.

Primeiro passo para uma colônia

A popularidade de Alfa Centauri é notável, especialmente se levarmos em conta que esse sistema só pode ser avistado do hemisfério sul e os autores e cineastas citados são, em sua maioria, dos Estados Unidos e da Europa. Ou seja, eles só conseguem ver esta, que é a terceira ‘estrela’ mais brilhante do céu, se viajarem para o sul do equador.

A descoberta do exoplaneta Alfa Centauri Bb (vamos torcer para ele ganhar logo um nome menos sem sal) é, portanto, um feito que ultrapassa o mérito científico. É o primeiro passo para a concretização de um sonho: o de que um dia a humanidade possa viajar pelo espaço e colonizar outros mundos.

A descoberta é o primeiro passo para a concretização de um sonho: o de que um dia a humanidade possa viajar pelo espaço e colonizar outros mundos

Pode ser algo muito difícil ou até mesmo impossível, mas sonhos são sonhos – estão aí para nos estimular, não necessariamente para serem destinos objetivos (embora eu partilhe da crença de que um dia chegaremos lá).

Seja como for, essa descoberta nos permite fazer algo que até então era apenas outro sonho de fãs de ficção científica. Podemos agora olhar para o céu à noite, avistar, à esquerda do Cruzeiro do Sul, uma estrela muito brilhante, apontar para ela e dizer:

“Tá vendo aquela estrela? Ao redor dela gira um planeta parecido com o nosso.”

Fred Furtado
Ciência Hoje/ RJ