Bagaço da cana também produz álcool

Com a nova tecnologia de fabricação de bioetanol, a partir de uma tonelada de bagaço de cana, é possível hoje gerar 220 litros do combustível (fotos: Geraldo Falcão / Petrobras).

Uma pesquisa inovadora promete consolidar a posição estratégica do Brasil como um grande produtor mundial de biocombustíveis. Pesquisadores da Petrobras e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) desenvolveram uma tecnologia para a obtenção de etanol a partir do bagaço da cana-de-açúcar, o que poderá aumentar em 40% a produção nacional desse biocombustível e incrementar a participação das fontes renováveis na matriz energética do país.

A iniciativa surgiu da necessidade da Petrobras de investir em alternativas que aumentassem a produção de álcool sem expandir a área de cana plantada, o que evitaria a competição com a agricultura voltada para a produção de alimentos e não estimularia o desmatamento. A partir de um levantamento feito pela empresa nas principais universidades do país, teve início em 2004 um projeto baseado em resultados promissores de uma pesquisa conduzida pelo professor Ney Pereira Junior, da Escola de Química da UFRJ.

A tecnologia utiliza matérias-primas que contêm lignocelulose, presente em qualquer fibra vegetal, para obter bioetanol – nome técnico do álcool produzido a partir de resíduos vegetais. O etanol convencional é produzido a partir da fermentação do caldo de cana, e não da biomassa propriamente dita. Com o álcool de lignocelulose, inaugura-se a segunda geração de biocombustíveis, extraídos da matéria descartada nos processos usuais de produção do etanol.

A coordenadora do projeto, Lídia Santa Anna, da Petrobras, explica que a lignocelulose é composta principalmente por celulose, hemicelulose e lignina. A celulose e a hemicelulose são polímeros constituídos de açúcares e a lignina é um composto que protege essas substâncias de microrganismos e dá resistência à fibra. “O objetivo do nosso processo é desorganizar essa estrutura”, diz.

A pesquisadora destaca que a tecnologia desenvolvida pela Petrobras pode ser ajustada para outros rejeitos vegetais que tenham potencial para produção de bioetanol, como os resíduos da palha ou o capim. “Resíduos de torta de mamona, pinhão-manso e soja também estão sendo cogitados para produzir bioetanol por meio de tecnologia semelhante”, conta.

Segundo Santa Anna, a escolha da cana-de-açúcar para iniciar o projeto não foi ao acaso. “A partir de uma tonelada de bagaço de cana, é possível hoje gerar 220 litros de etanol e, em poucos anos, pretendemos chegar à marca de 270 litros”, estima.

Do bagaço ao combustível

O processo de produção do etanol a partir da lignocelulose de cana-de-açúcar está em fase de testes em uma unidade experimental no Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da Petrobras, no Rio de Janeiro.

Para se fabricar etanol a partir da lignocelulose, o bagaço da cana é prensado dentro de um reator e submetido a uma solução ácida que quebra a estrutura da fibra. No processo, a hemicelulose é decomposta em açúcares que ficam em um resíduo líquido. Este passa por uma etapa de fermentação, em que microrganismos usam os açúcares para produzir o bioetanol.

Paralelamente, a lignina presente no resíduo sólido do pré-tratamento do bagaço é retirada e o material, rico em celulose, recebe enzimas que quebram o composto em açúcares, que também seguem para fermentação. “Para esse estudo, usamos duas espécies de leveduras naturais: Pichia stipitis e Sacharomyces cerevisiae”, conta a pesquisadora. A etapa final é a destilação, ou seja, a recuperação e purificação do etanol que conhecemos. “Tudo é aproveitado”, destaca ela.

A grande vantagem do processo é a reciclagem de resíduos que seriam descartados para a geração de energia. “O bagaço da cana é o resíduo agroindustrial mais expressivo no país”, ressalta Santa Anna.

Após os resultados positivos em laboratório, a nova tecnologia passa por testes em escala piloto em uma unidade experimental instalada no Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da Petrobras (Cenpes), no Rio de Janeiro. “O equipamento foi projetado de forma que o processo todo seja integrado, desde o pré-tratamento do bagaço até a fermentação e destilação do álcool”, afirma a pesquisadora. E completa: “A Petrobras prevê que em 2010 seja inaugurada uma planta demonstrativa para produzir álcool a partir de lignocelulose, no Rio de Janeiro, de olho no potencial imenso do Brasil para exportar esse produto.” 

Fabíola Bezerra
Ciência Hoje On-line
12/12/2007