Modelos computacionais desafiam ‘caixinha de surpresas’

Pode a estatística ajudar a desmentir o dito segundo o qual ’o futebol é uma caixinha de surpresas’? Essa suposição parece nortear estudos de dois grupos de pesquisa britânicos que, antes do início da Copa do Mundo, desenvolveram modelos computacionais para prever seus resultados. Ao fim da primeira fase, a constatação: nenhum deles havia sido capaz de apontar as zebras que têm marcado o Mundial — três das maiores forças do futebol atual (Argentina, França e Portugal) se despediram precocemente do torneio.

Na Universidade de Ulster (Irlanda do Norte), um modelo computacional para simular as partidas da Copa foi criado a partir de quatro parâmetros: posição das seleções no ranking da Fifa, distância percorrida durante a competição, efeito das viagens entre Coréia e Japão e tempo de descanso entre as partidas. O torneio foi simulado 2000 vezes — e o Brasil apontado como a equipe com maior probabilidade de ganhar a Copa.

Que o leitor não se anime: o mesmo modelo considerou que França e Argentina teriam respectivamente 85,6% e 67,4% de chances de ir às oitavas-de-final. No entanto, as simulações previram com exatidão que os anfitriões (Coréia do Sul e Japão) se classificariam em primeiro em seus grupos — resultado nada evidente –, e acertaram também ao apontar a classificação apertada de equipes como Irlanda ou Paraguai.

O modelo criado pela equipe de Peter O’Donoghue apresentou melhores resultados ao ser aplicado novamente ao fim da primeira fase. As previsões acertaram o vencedor de seis das oito partidas das oitavas-de-final (só não apontaram as vitórias de Senegal sobre a Suécia e da Coréia sobre a Itália). A nova rodada de simulações, revelada em primeira mão à CH on-line por O’Donoghue, atribui ao Brasil 68,5% de probabilidade de derrotar a Inglaterra nas quartas-de-final e reitera o favoritismo ao título apontado antes da Copa.

Em outro estudo, desenvolvido na Universidade de Warwick (Inglaterra), um sistema de análises estatísticas para prever os resultados[1] da Copa se baseou em um banco de dados sobre mais de 900 partidas preparatórias para o torneio. Os resultados não foram melhores que os do outro modelo, mas satisfizeram o matemático Henry Stott, que coordenou o estudo. “Para cada libra apostada em resultados apontados por nossas previsões, teríamos um ganho de 1,2 libra”, disse.

Nos dois casos, a discrepância entre previsões e resultados deve orientar o aperfeiçoamento dos modelos. “A próxima versão de nosso sistema, para a Eurocopa/2004, deve levar em conta fatores como quais atletas estão jogando ou que equipe chuta mais a gol”, conta Stott. “Será preciso alterar as relações entre os fatores em que se baseia nosso modelo e a performance de cada equipe”, reconhece O’Donoghue.

Enquanto os modelos se mostram incapazes de abrir a ’caixinha de surpresas’, o papel da intuição continua importante para se prever o resultado de um jogo de futebol. “Como cientista, acredito que o Brasil derrote a Itália na final e vença a Copa”, conta O’Donoghue. “Como fã de futebol, adoraria ver uma final entre Inglaterra e Irlanda!”

(a entrevista com o pesquisador foi feita antes de a Irlanda
ser derrotada pela Espanha nas oitavas-de-final)

Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line
17/06/02