Na raiz do problema

Já se sabe, de longa data, que um dos mais sérios desafios ambientais que enfrentamos atualmente é o binômio produção e consumo. Foi pelos idos de 1987 que o assunto entrou em pauta, com a publicação do relatório Brundtland – que já na época questionava as doutrinas do industrialismo e do crescimento econômico a qualquer custo e as reverências ao dogma do consumismo irrestrito e desenfreado.

Vergragt: “O padrão de consumo observado hoje é insustentável e, ao contrário do que um dia pensamos, a tecnologia não poderá nos salvar”

O assunto rendeu ontem (11/6) algumas reflexões por parte da comunidade científica. Reunidos na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), cientistas do mundo todo participaram do primeiro dia do fórum do Conselho Internacional para a Ciência (ICSU, na sigla em inglês), principal evento acadêmico que antecede a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20.

“Não é novidade alguma o fato de que, hoje, o padrão de consumo observado no hemisfério Norte é definitivamente insustentável, e o Sul parece seguir o mesmo caminho”, observou o químico holandês Philip Vergragt, da Clark University (Estados Unidos), dando início às discussões.

“A novidade é que, ao contrário do que um dia pensamos, a tecnologia não poderá nos salvar”, concluiu. No debate, os pesquisadores ressaltaram que o consumismo doentio, tal como conhecemos hoje, está impregnado em nossa cultura – propagandas, anúncios e exortações do ato de consumir são onipresentes no mundo contemporâneo.

Times Square
Times Square, área comercial de Nova Iorque (Estados Unidos) onde todos os prédios exibem letreiros de publicidade. O estímulo ao consumo é onipresente no mundo contemporâneo e está impregnado na nossa cultura. (foto: Jean-Christophe Benoist – CC BY 3.0)

Vergragt deixou claro que, por mais que a ciência e a tecnologia possam, em alguma medida, amenizar os impactos ambientais de nossa cultura consumista, elas jamais poderão oferecer a todos os habitantes da Terra os padrões de vida e inserção no mundo do consumo conhecidos atualmente.

Um dado animador foi destacado por Ashok Khosla, representante do Painel Internacional de Recursos (IRP, na sigla em inglês), uma espécie de IPCC dos recursos naturais, mantido pela Organização das Nações Unidas. “Já temos soluções tecnológicas suficientes para reduzir em pelo menos cinco vezes a quantidade de recursos naturais que utilizamos para manter nosso sistema de produção de bens de consumo.” A afirmação se baseia em recente estudo publicado pelo Clube de Roma, o relatório Factor 5, de 2010. “Miniaturização e durabilidade são os dois conceitos fundamentais que podem impulsionar essa redução”, explicou.

Mudança comportamental

Mas Khosla alerta que isso ainda é pouco. Para ele, as soluções tecnológicas não serão o bastante. Será a mudança comportamental das sociedades que definirá a tão almejada mudança de paradigmas. “Na natureza não há desperdício; materiais e processos são utilizados com eficiência máxima, e é nisso que a ciência de fronteira deve se focar daqui em diante”, recomendou.

Será a mudança comportamental das sociedades que definirá a tão almejada mudança de paradigmas

Aliviando o peso de nossas consciências, Lewis Akenji, do Instituto para Estratégias Ambientais Globais, lembrou que não serão nossas ações individuais as decisivas na construção de uma nova fase nos padrões de produção e consumo da sociedade contemporânea. “O sistema econômico vigente força o indivíduo a consumir irresponsavelmente, e é na essência de tal sistema que devemos trabalhar para reverter essa situação”, disse. Para ele, a busca pelo bem-estar foi deixada de lado em nome de uma busca cega pelo crescimento econômico a qualquer preço.

A economista alemã Sylvia Lorek, do Instituto de Pesquisa Europa Sustentável, concorda. “Não podemos nos distrair somente com as pequenas atitudes, com as pequenas mudanças que novos produtos e tecnologias podem trazer para nos auxiliar na minimização do problema. É o quadro geral do sistema econômico que impõe o grande desafio.”

“Podemos, individualmente, minimizar os impactos ambientais de nossas ações, mas ainda assim estaremos no caminho errado”, acrescentou. Segundo a economista, são os governos que devem domar as iniciativas empresariais de modo a garantir equilíbrio tanto no consumo quanto na exploração de recursos naturais. Por isso, finalizou Lorek, não precisamos apenas de inovação tecnológica. “Precisamos, sobretudo, de inovação social.”

Henrique Kugler
Ciência Hoje On-line