Pesquisas em nanotecnologia seguem a passos largos. “Os avanços na área têm sido assombrosos, especialmente no desenvolvimento de novos materiais, novos fármacos e novos cosméticos”, comenta o químico Daniel Alves, da Universidade Federal do Paraná.
Mas os impactos sociais e ambientais desse novo saber têm sido motivo de preocupação para pesquisadores em diversos países. Por isso, um grupo de cientistas, trabalhadores da indústria e ambientalistas se reuniu esta semana na Cúpula dos Povos, evento paralelo à Rio+20, para fundar o Observatório de Nanotecnologias das Américas. Trata-se da primeira iniciativa do gênero com atuação em âmbito continental dedicada a esse propósito.
“Apesar dos avanços e impactos, as nanotecnologias ainda não são conhecidas pelo público leigo, que, ao final das contas, é quem as consome”, disse o sociólogo Paulo Martins, coordenador da Rede de Pesquisa em Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente (Renanosoma).
Segundo o sociólogo, a fundação do Observatório de Nanotecnologias das Américas marca um novo grau de organização para nanoativistas do continente. “Sem dúvida foi o principal avanço que conquistamos”, disse Martins.
Fazem parte da iniciativa pesquisadores de diversas universidades brasileiras, além de representantes da organização internacional Amigos da Terra (FOE, na sigla em inglês) e do Centro Internacional para Avaliação de Tecnologias (ICTA, na sigla em inglês). Há ainda diversas outras parcerias pelo continente afora. Integram o time, também, o Sindicato dos Químicos do ABC e vários grupos de trabalhadores de diversos setores da indústria.
A ideia do novo observatório é reunir os trabalhos e pesquisas de entidades já atuantes na área. Um portal na internet – que deverá estar pronto em breve – terá como principal foco a divulgação científica e o engajamento público em nanociência.
Para contribuir com a divulgação das questões relacionadas ao desenvolvimento de produtos nanotecnológicos, as entidades lançaram também diversos materiais de campanha. Um dos destaques é a publicação de duas histórias em quadrinhos sobre nanotecnologia – ambas apoiadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego e pela Fundacentro.
Maravilhas do nanouniverso
As promessas da nanotecnologia são sedutoras. Na medicina, por exemplo, já se fala no desenvolvimento de nanoprojéteis capazes de atacar tumores ou mesmo em nanocápsulas que administram um fármaco diretamente em determinado tipo de célula – sem efeitos colaterais. No tratamento do câncer de mama, aliás, já é usado com sucesso, há dez anos, um nanomedicamento à base de paclitaxel (substância de origem vegetal).
Quanto aos cosméticos, desde 1995 já há no mercado produtos com princípios nanotecnológicos – filtros solares, antirrugas e cremes variados. Sem mencionar a infinidade de outros materiais com propriedades quase mágicas que se aproximam de nossa realidade. Tecidos que nunca mancham, colas superpoderosas, vidros inquebráveis, materiais ultrarresistentes… São vários os exemplos de produtos que, num futuro próximo, poderão estar nas prateleiras dos supermercados.
Mas a manipulação de estruturas tão pequenas – o prefixo nano refere-se à bilionésima parte do metro – envolve riscos. Embora anuncie um novo horizonte para o desenvolvimento científico, a nanotecnologia pode, segundo alguns, significar uma ameaça ambiental sem precedentes, cujas dimensões ainda desconhecemos (o tema, aliás, já rendeu reportagem na CH On-line há alguns anos).
“O problema é que a imensa maioria dos nanoprodutos ainda não é regulamentada e chega ao mercado sem passar por testes de segurança e nanotoxicologia”, explicou Jaydee Hanson, do ICTA. “Pior: na maioria dos países, os fabricantes sequer precisam anunciar no rótulo que determinado produto é derivado de nanoprocessos.”
É o caso do protetor solar, por exemplo. “Se você der um pulo ali na praia de Ipanema, verá pessoas utilizando cremes solares com nanopartículas de dióxido de titânio ou óxido de zinco. Mas o consumidor não sabe disso, pois os fabricantes não mencionam tal informação nas embalagens.”
Segundo Hanson, ainda não há estudos conclusivos que comprovem a segurança desses compostos. Existem indícios, porém, de que o óxido de zinco em escala nanométrica pode desencadear a criação de moléculas instáveis capazes de, eventualmente, interagir com outros grupos celulares e originar processos mutagênicos.
“Como não sabemos ao certo os possíveis efeitos de vários nanoprodutos, gostaríamos apenas de garantir que a indústria só os comercializasse após prévia análise das agências regulatórias”, disse durante o encontro Ian Illuminato, do comitê executivo da FOE. A organização lançou, recentemente, um guia para consumidores que queiram se informar melhor sobre o caso específico dos protetores solares.
Melhor prevenir que remediar
Hanson lembrou que, na Europa, os nanoprodutos estão tendo uma repercussão similar à que teve os organismos geneticamente modificados. “Lá, os consumidores tendem a rejeitar produtos cujos impactos ainda são desconhecidos; eles parecem levar mais a sério o princípio da precaução”, disse o representante do ICTA.
Também participou do encontro o médico William Waissmann, do Programa de Pós-graduação em Saúde Pública e Meio Ambiente da Fundação Oswaldo Cruz. Segundo ele, o maior desafio no momento é que as agências regulatórias desenvolvam rotinas de avaliação para produtos em escala nanométrica.
Waissmann citou um dado estatístico que o preocupa: “para cada 38 trabalhos científicos dedicados ao estudo e desenvolvimento de novos nanoprodutos, temos somente um trabalho com o objetivo de avaliar questões de segurança e toxicidade”.
Ele ressaltou ainda que “nanomateriais não engenheirados sempre existiram na natureza; mas nanomateriais engenheirados, isto é, criados pelo homem, são novidade”. E podem, segundo o pesquisador da Fiocruz, estar relacionados a uma série de doenças e impactos que ainda desconhecemos.
Henrique Kugler
Ciência Hoje On-line
Este texto foi atualizado para incluir a seguinte alteração:
Diferentemente do que foi informado antes, é o Sindicato dos Químicos do ABC que faz parte do Observatório de Nanotecnologias das Américas, e não o Sindicato dos Químicos de São Paulo. (25/6/2012)