Não é só brinquedo

A indústria dos videogames, meio sem querer, começa a alimentar um novo tipo de pesquisa: o uso da tecnologia dos consoles que estimulam o movimento do corpo com pessoas que têm deficiência física e intelectual.

Na esteira dessa nova tendência no entretenimento, pesquisadores da Escola de Arte, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (Each/USP) iniciaram estudo com cinco crianças, entre oito e 12 anos, com paralisia cerebral. O jogo utilizado foi o boliche do Nintendo Wii, videogame conhecido por ter sido o primeiro console a popularizar a interação com o jogo por meio do movimento do corpo.

O objetivo do trabalho: entender quais exatamente são as dificuldades do deficiente no jogo virtual e observar a evolução do seu desempenho no decorrer das partidas. A conclusão é de que houve, de fato, melhora na performance das crianças, embora tenha sido notado, após 20 tentativas, um grau de desinteresse e cansaço que acabou afetando a execução das tarefas.

“Foi difícil para algumas crianças desenvolver a coordenação para jogar a bola de boliche e soltar o botão do controle ao mesmo tempo; demoramos um bom tempo para ensiná-las”, conta o fisioterapeuta Carlos Monteiro, coordenador da pesquisa e professor no curso de Ciências da Atividade Física da Each.

Assista abaixo a uma demonstração de como
funcionam os jogos de esporte no Wii

A pesquisa, que também contou com a análise complementar da resposta de atletas paraolímpicos e de jovens com síndrome de Down aos jogos do Wii, virou livro: Realidade virtual na paralisia cerebral (Plêide), que pode ser baixado gratuitamente na internet.

O livro lista as vantagens de se pesquisar em ambiente virtual e destaca o fato de as atividades com videogame serem lúdicas, seguras e controladas, características fundamentais para o trabalho com deficientes e nem sempre reproduzíveis no universo real.

“O virtual permite ‘trabalhar’ em casa”, diz Monteiro. “Não quer dizer que o deficiente vai jogar melhor boliche no real, mas é um meio de incentivar a pessoa a manter a terapia sem precisar de grandes deslocamentos”, acrescenta.

Além disso, o jogo de videogame é um tratamento bem atrativo, sobretudo para crianças, ressalta.

Falta de dados

Monteiro afirma que a prática das atividades virtuais ajuda na inclusão do deficiente no mundo funcional, além de auxiliar no desenvolvimento físico e cognitivo, com apuração do reflexo, da memória, da concentração e da capacidade de planejamento.

No entanto, dados mais claros sobre o grau de melhora dos pacientes ainda são incipientes na ciência. Como aponta o próprio livro, é preciso de mais tempo para coletar e analisar as informações de uma pesquisa que usa tecnologia tão recente.

“Tenho obrigação de ver essa pesquisa com bons olhos. Afinal, esse é o futuro”

Por isso, a ideia de Monteiro é continuar estudando a relação de deficientes e videogame. Agora, porém, com outros consoles que propõem mais liberdade de movimento – entre eles, o Kinect, do Xbox 360, que aboliu qualquer tipo de botão ou controle.  

“Tem alguns terapeutas que não veem essa atividade com bons olhos”, diz o fisioterapeuta. “Eu discordo. Tenho obrigação de ver esse tipo de pesquisa com bons olhos. Afinal, é o futuro, as pessoas hoje têm esses videogames em casa. Não tem como fugir.”

Por outro lado, ele lamenta o fato de não haver ainda jogos comerciais voltados especialmente para os deficientes. “O Kinect, por exemplo, não consegue nem identificar uma pessoa em cadeira de rodas. Ainda é preciso evoluir muito, por isso estamos pesquisando.” 


Thiago Camelo

Ciência Hoje On-line