Novos dados, velhos problemas

No ano em que o Rio de Janeiro sediou a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável – a Rio+20 –, as questões ambientais estiveram, mais do que nunca, em evidência no nosso país. Mas o brasileiro, que, segundo pesquisa feita pelo Ibope e pela Confederação Nacional da Indústria, está agora mais preocupado com as questões ambientais, deve ter tido a impressão de ver no noticiário mais do mesmo: mudanças climáticas, perda de biodiversidade, polêmicas acaloradas, descompasso na elaboração de acordos para frear o aquecimento global e promover o desenvolvimento sustentável.

Em 2012, eventos climáticos extremos novamente bateram à nossa porta. Enquanto na região amazônica os rios tiveram cheia recorde, no Nordeste foi a seca que preocupou. Já os Estados Unidos passaram por uma das piores tempestades de sua história, a Sandy, que atingiu a costa leste do país e deixou mais de 100 mortos.

No fim do ano, um amplo levantamento realizado a partir de imagens de satélites apontou a aceleração do degelo nas calotas polares. Segundo o estudo, 4.260 bilhões de toneladas de gelo derreteram na Antártida e na Groenlândia de 1992 a 2011, o que fez o nível do mar se elevar em 11 milímetros.

Se, de um lado, os fenômenos climáticos não deram trégua, de outro, chegou ao fim este ano a primeira fase do Protocolo de Kyoto

Se, de um lado, os fenômenos climáticos não deram trégua, de outro, chegou ao fim este ano a primeira fase do Protocolo de Kyoto, acordo por meio do qual países se comprometeram a reduzir pelo menos 5,2% de suas emissões de gases-estufa em relação aos níveis de 1990 no período de 2008 a 2012.

A 18ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (COP-18), realizada no fim deste ano em Doha, no Catar, tinha como principal objetivo estabelecer um segundo período para o acordo. Mas o texto aprovado, que irá vigorar de 2013 a 2020, não avançou muito: prevê um corte de 18% nas emissões de gases-estufa em relação aos níveis de 1990, enquanto as metas defendidas pelos cientistas para conter o aquecimento global são de 25% a 40%. Além disso, apenas o bloco europeu e a Austrália terão metas de redução. Japão, Nova Zelândia, Rússia, Canadá e Estados Unidos ficaram de fora.

Também deixou a desejar o documento final da Rio+20, reunião realizada em junho no Rio de Janeiro. Os governos não assumiram compromissos concretos para tentar atingir os objetivos relativos ao desenvolvimento sustentável e deixaram de lado alguns pontos essenciais, como a criação de um fundo global para gerir danos causados por eventos climáticos e a transferência de recursos de nações desenvolvidas para países em desenvolvimento para compartilhar os desafios socioambientais que estão por vir.

Para o biólogo Jean Remy Guimarães, professor da Universidade Federal do Rio e Janeiro e colunista da CH On-line, o esvaziamento desse tipo de reunião é um sintoma que vem crescendo desde a Eco-92. “As conferências estão se tornando cada vez menos relevantes e vêm perdendo participação e poder de decisão”, avalia.

Desmatamento a passos largos

Outra manifestação preocupante da interferência humana no ambiente é o desmatamento. De acordo com relatório divulgado pelo Imazon em novembro, o desflorestamento na Amazônia Legal nos meses de agosto a outubro de 2012 subiu 125% em comparação com o mesmo período de 2011, passando de 511 km2 para 1.151,6 km2.

Em contrapartida, o governo divulgou no fim de novembro a menor taxa anual de desmatamento na região desde que esta começou a ser monitorada, em 1988. A área desmatada entre agosto de 2011 e julho de 2012 foi de 4,6 mil km2, contra 6,4 mil km2 nos 12 meses anteriores, uma queda de 27%. Mas esses dados não incluíam justamente os meses em que foi registrada a disparada das taxas.

Desmatamento na Amazônia
Estudo do Imazon apontou aumento de 125% no desmatamento na Amazônia Legal de agosto a outubro de 2012 em comparação com o mesmo período de 2011. Dados divulgados pelo governo no fim de novembro omitiam as taxas desses três meses e mostravam queda de 27% na derrubada de árvores na região se comparado o intervalo de agosto de 2011 a julho de 2012 com os 12 meses anteriores. (foto: Ana Cotta – CC BY 2.0)

Curiosamente, a divulgação dos dados do governo ocorreu paralelamente ao início da COP-18. Como parte do compromisso voluntário firmado pelo Brasil de reduzir as emissões de gases-estufa até 2020, o país definiu a meta de diminuir o desmatamento ilegal na Amazônia para 3,9 mil km2 nesse período. Levando em conta o novo número, faltaria apenas uma redução de 4% para atingir esse objetivo.

Na mata atlântica, foram desmatados 13,3 mil hectares entre maio de 2010 e maio de 2011, segundo dados do Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica divulgados em maio deste ano.

Diante da crescente redução de florestas, a situação da biodiversidade também não poderia ser boa. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) divulgou em junho um relatório que aponta o pouco avanço no cumprimento das metas globais do milênio e coloca como destaques negativos o enfrentamento das causas das mudanças climáticas e a proteção da biodiversidade.

Diante da crescente redução de florestas, a situação da biodiversidade também não poderia ser boa

Segundo o documento, cerca de 20% das espécies de vertebrados estão ameaçadas. Os organismos vivos com maior risco de extinção são os corais. Desde a década de 1980, os recifes sofreram redução de 38% e as estimativas são de que estejam extintos em 2050. E a situação deve piorar por causa do aquecimento global.

“A situação da biodiversidade piorou”, afirma Guimarães. “Embora a visibilidade do tema tenha aumentado, os grandes empreendimentos no Brasil, como as hidrelétricas e a exploração de petróleo, parecem um complô contra a sua preservação.”

Apesar do cenário preocupante, um modelo matemático criado por pesquisadores do Imperial College de Londres sugere que a redução no ritmo de desmatamento da floresta amazônica e a regeneração de áreas devastadas podem evitar a extinção de espécies já condenadas a desaparecer.

Entretanto, no plano político, as mobilizações em direção à proteção da biodiversidade não avançaram muito. Na 11ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (COP-11), realizada na Índia, depois de intensa negociação, os países desenvolvidos concordaram em dobrar os recursos para ajudar nações em desenvolvimento a cumprir os compromissos internacionais de proteção da biodiversidade. Mas, segundo especialistas, isso corresponderia a apenas 5% do total necessário para atingir essas metas.

Em relação à proteção de áreas costeiras e marinhas, a COP-11 trouxe resultados positivos. Os países participantes concordaram, entre outras medidas, em definir uma lista de regiões a serem preservadas, escolhidas por abrigarem espécies vegetais e animais com valor ecológico ou biológico significativo.

Estabelecer mais áreas de proteção marinha em alto mar foi justamente um dos pontos destacados durante consulta pública realizada no Rio de Janeiro para coletar opiniões sobre medidas a serem adotadas para garantir a conservação da diversidade biológica do planeta. O evento, que reuniu 88 pessoas de 19 estados brasileiros, foi uma das primeiras experiências do tipo no Brasil.

Interesses econômicos X ambientais

Em paralelo a esses acontecimentos, a disputa entre interesses políticos, econômicos e ambientais nos bastidores das decisões e discussões relacionadas à área tem sido cada vez menos velada. Um dos principais exemplos desse embate ocorreu ao longo do processo que culminou com a aprovação do novo Código Florestal brasileiro, após 13 anos de tramitação. Os últimos capítulos dessa ‘novela’ aconteceram em 2012.

A disputa entre interesses políticos, econômicos e ambientais nos bastidores das decisões e discussões relacionadas à área tem sido cada vez menos velada

Em abril, o texto aprovado na Câmara dos Deputados excluiu diversas alterações propostas no Senado no fim de 2011. A presidente Dilma Rousseff vetou parcialmente o texto, recuperando alguns pontos da versão do Senado. Após a aprovação do texto principal, com vetos, a Câmara votou – e aprovou –, em agosto, uma medida provisória que alterava o código, com mudanças que desagradavam ambientalistas e o próprio governo federal. Nove itens dessa emenda provisória foram vetados por decreto presidencial antes de o texto do novo Código Florestal ser finalmente publicado no Diário Oficial da União.

Para Jean Remy Guimarães, o texto do novo Código Florestal é preocupante, especialmente por perdoar desmatamentos anteriores a 2008 e reduzir a margem de proteção de florestas no entorno de rios.

“Esse foi o principal fato da área ambiental em 2012, devido ao seu significado para o futuro do país”, diz. “Ele evidencia o balanço de poder por trás dessas questões e revela a esquizofrenia da política ambiental brasileira. No cenário internacional, o governo se compromete com metas de redução de desmatamento, mas internamente não consegue se contrapor a uma minoria que legisla em benefício próprio.”

As polêmicas se acirraram mesmo foi no debate em torno das alterações no clima da Terra e do uso de agrotóxicos. Em janeiro, um grupo de 16 cientistas publicou no The Wall Street Journal um texto em que são questionadas supostas inconsistências nas afirmações do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas em relação ao aquecimento global. Uma réplica veio em seguida, colocando em dúvida a legitimidade desses pesquisadores para tratar de assuntos da área ambiental. Isso só para começar o ano!

Uso de agrotóxicos
Problemas no departamento da Anvisa responsável pelo registro e controle de agrotóxicos no país e a divulgação de estudos que apontam efeitos negativos desses produtos reacenderam a polêmica sobre seu uso. (foto: Global Water Partnership – CC BY-NC-SA 2.0)

Vários eventos reavivaram a controvérsia em torno dos agrotóxicos este ano. No Brasil, o maior consumidor mundial de defensivos agrícolas, foi exonerado o diretor geral de toxicologia da Anvisa, Luiz Cláudio Meirelles, um dos responsáveis pelo aprimoramento dos mecanismos de registro e controle de agrotóxicos no país. Ele denunciou a falsificação de sua assinatura para facilitar a liberação de agroquímicos sem a necessária avaliação toxicológica.

Em nível mundial, foram publicados na Science no início deste ano dois estudos que apontam os pesticidas como os causadores do declínio observado no número de colônias de abelhas e outros insetos polinizadores. Em setembro, a revista Food and Chemical Toxicology publicou estudo feito com ratos durante dois anos que mostrou efeitos cancerígenos do milho transgênico e do herbicida utilizado em sua cultura.

Liderado pelo professor Gilles-Eric Séralini, da Universidade de Caen (França), o estudo recebeu duras críticas, que apontavam sobretudo um conflito de interesses, já que um de seus financiadores foi o Comitê de Pesquisa e de Informação Independentes sobre Engenharia Genética (Criigen), entidade francesa que milita contra as biotecnologias.

Controvérsias à parte, a boa notícia de 2012 na área ambiental ficou por conta das energias renováveis, justamente no Ano Internacional da Energia Sustentável para Todos. Segundo Guimarães, houve uma relativa diversificação da matriz energética nacional, com crescimento significativo do consumo de energia eólica e solar, especialmente para aquecimento de água. “Grandes parques eólicos estão sendo construídos no Brasil pela iniciativa privada, apesar do incentivo governamental quase nulo”, diz. “Se houvesse uma sinalização de apoio mais clara do governo, o crescimento poderia ter sido muito mais expressivo.”

Thaís Fernandes
Ciência Hoje On-line