Nos últimos anos o debate sobre a questão agrária no Brasil se intensificou. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que em 2005 completa 21 anos de fundação, é um dos principais responsáveis por levantar essa discussão e estabelecer um conflito no campo. A trajetória desse movimento é tema de um livro recém-lançado pela socióloga Maria Aparecida de Moraes Silva, professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp). A luta pela terra, experiência e memória desconstrói de forma didática a imagem negativa do grupo, ao mesmo tempo em que faz um apanhado geral sobre a distribuição de terras no nosso país, a partir de meados do século 19.
As primeiras páginas do livro trazem um grande painel sobre a situação da terra no Brasil. Com argumentos fundamentados muitas vezes em filósofos contestadores como os alemães Karl Marx e Walter Benjamin, a autora explica, de forma simples e objetiva, como os processos de expropriação da terra e desvalorização dos camponeses levaram esses pequenos agricultores a uma situação de pobreza e submissão.
Após essa contextualização, a narrativa traça um perfil do MST a partir da experiência e do relato de alguns integrantes anônimos do grupo. Esses depoimentos contam as histórias dos pobres do campo sem apresentá-los como vítimas, mas como indivíduos que lutam para melhorar sua condição social.
Quando traz à tona a vida de pessoas assentadas e/ou que participaram de ocupações, Maria Aparecida transcreve a narrativa feita pelos próprios personagens. O discurso deles enfatiza os pequenos acontecimentos e os acasos, que muitas vezes decidem seus destinos. Esses relatos são marcados pelos obstáculos que essas famílias tiveram de enfrentar ao longo da vida e explicam como e por que essas pessoas resolveram entrar para o MST. Por serem narrados em primeira pessoa, alguns desses fragmentos são confusos e carregados de expressões regionais e emoção. Ao término da narrativa em primeira pessoa, a autora faz uma interpretação de cada depoimento – no final do livro há, também, um pequeno glossário com termos usados nessas entrevistas.
Após destacar a vida de alguns camponeses, Maria Aparecida retrata a vida nos acampamentos, seu dia-a-dia, sua organização e as oportunidades de inclusão social ali surgidas. Na última parte do livro, a autora descreve e questiona o modo como a reforma agrária tem sido realizada no Brasil nas últimas décadas.
A luta pela terra, experiência e memória , é uma leitura fácil e elucidativa sobre a questão agrária brasileira. O livro traz fotos que ilustram a realidade dos acampamentos, resume os tópicos abordados ao final de cada capítulo e traz no apêndice sugestões de leitura e questões para debate. Não é uma obra que se propõe a resolver o conflito no campo, tampouco estigmatizar os sem-terra ou os latifundiários: ela apresenta um MST que não está na grande imprensa, e é essa sua grande qualidade.
O livro faz parte da Coleção Paradidáticos, lançada pela Editora Unesp no intuito de aproximar um público diverso de obras sobre ciência e cultura. Entre os títulos inicialmente lançados, estão O verbal e o não verbal, Imprensa escrita e telejornal e A persistência dos deuses: religião, cultura e natureza .
A luta pela terra – experiência e memória
Maria Aparecida de Moraes Silva
Coleção Pardidáticos
São Paulo, Editora Unesp
(fone: 11 3242-7171)
135 páginas – R$15,00
Pedro Gomes Ribeiro
Ciência Hoje On-line
17/02/05