No coração da floresta amazônica, a relação do homem com o rio é de estreita dependência. Entre os índios, é da pesca que vem o principal alimento da tribo, e o caráter ritual dessa prática e o respeito à natureza associado a ela se refletem na tradição indígena. Esse vínculo é apresentado na exposição ‘Peixe e Gente’, organizada pelo Museu da Amazônia, em Manaus, e que reúne armadilhas, utensílios de cozinha, mapas e até registros de lendas mitológicas que jogam luz sobre essa proximidade vital e sagrada.
A mostra se debruça sobre as crenças e os hábitos das etnias indígenas Tuiuca e Tucano, habitantes do alto rio Negro, na região amazônica. Os indígenas abriram suas portas e ajudaram na concepção e montagem da exposição, dispostos a dividir com o Brasil e o mundo suas experiências e tradições culturais pouco difundidas.
Baseada no livro Gente e Peixe no Alto Rio Tiquié, do antropólogo Aloisio Cabalzar, a exposição tem como foco a relação essencial e sagrada entre as tribos e a pesca. A publicação trata dos conhecimentos nativos, mitos e concepções cosmológicas sobre a origem dos peixes e suas relações com o homem.
No Museu, estão expostos objetos indígenas, como armadilhas de pesca, que se revelam muito mais do que simples trabalhos manuais, uma vez que envolvem mitos e tradições sagrados. Um bom exemplo são os matapis – alguns trazidos das comunidades e outros confeccionados no próprio museu pelos índios (ver ‘Pesca dos povos tucanos’, em Ciência Hoje n° 305, disponível para assinantes no Acervo Digital).
Segundo a lenda, um indígena chamado Gente-Estrela teve seu filho devorado pela Cobra Grande e utilizou um matapi para capturar o bicho. Ao retirar os miúdos da cobra e os jogar no rio Negro, eles transformaram-se em peixes traíras: como castigo por ter comido o menino, a cobra teria seus descendentes comidos por toda a humanidade para sempre.
Mais do que artesanato, a construção de um matapi requer reflexões e rituais considerados imprescindíveis para a realização de uma boa pesca. Após confeccionar a armadilha, o pescador deve fazer jejum e seguir determinadas regras ao voltar para casa. “Não pode se assustar, fazer ou ouvir muito barulho, sorrir, falar alto, deitar com a mulher, entre outras coisas”, explicam os irmãos tucanos Adalberto e Roberval Pedrosa, da comunidade de serra de Mucura.
Além de armadilhas, como matapi, jequi, cacuri e caiá, a exposição traz objetos de cerâmica onde são preparados pratos típicos do alto rio Negro, cestarias, peneiras, entre outros artefatos e curiosidades sobre a cultura tuiuca e tucana. A exposição está montada na tenda do Jardim Botânico Adolpho Ducke.
Isabelle Carvalho
Ciência Hoje On-line