Os primeiros americanos

Na elaboração e confirmação de modelos que expliquem a evolução e migração dos grupos humanos, genética e arqueologia nem sempre chegam à mesma conclusão. Isso é o que ocorre com uma nova teoria sobre o povoamento das Américas proposta pelo bioarqueólogo Walter Neves, da Universidade de São Paulo (USP). Segundo ele, antes da chegada dos grupos mongolóides da Ásia, que deram origem aos ameríndios, as Américas foram ocupadas por povos negróides vindos da África e da Oceania, chamados ’paleoamericanos’.

Reconstrução das feições do crânio de Luzia, desenterrado na década de 1970 no sítio da Lapa Vermelha (Lagoa Santa/MG)

O crânio mais antigo do continente, com cerca de 12 mil anos, pertencente a uma mulher (batizada de Luzia), teve suas feições reconstituídas. A partir daí, Neves demonstrou que elas se assemelhavam mais às dos africanos e aborígenes australianos que às dos índios atuais. Assim, os povos mongolóides – ancestrais dos índios – teriam chegado à América do Sul há cerca de 9 mil anos, substituindo totalmente os paleoamericanos, que se refugiaram em áreas remotas do continente até a extinção.

Para confirmar a teoria, iniciou-se a busca pelos descendentes de Luzia. Um grupo de geneticistas coordenados por Sérgio Pena e Vânia Prado, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), após descobrir que cerca de 30% dos brancos brasileiros possuem linhagem materna ameríndia, decidiu analisar o DNA mitocondrial da população branca que habita a região do Vale do Jequitinhonha (MG), onde viviam os extintos índios botocudos (os mais parecidos com Luzia). Segundo Vânia, “é pouco provável que se encontrem nessa população linhagens não-mongolóides” – que nunca foram identificadas entre índios brasileiros. A geneticista acredita que o povo de Luzia, assim como os mongolóides, também teve origem na Ásia.

Segundo Walter Neves, será difícil encontrar traços genéticos não-mongolóides na população atual, pois mesmo que parte dos genes do povo de Luzia tenha sido absorvida por grupos asiáticos, deve-se levar em consideração perdas de linhagens mitocondriais que ocorrem, por exemplo, quando uma mulher só tem filhos homens. Por isso, o bioarqueólogo atenta para a importância da análise de DNAs fósseis. “Só assim aceitarei a hipótese dos geneticistas.”

Neves busca os descendentes de Luzia por meio da análise morfológica de crânios indígenas anteriores à chegada de Cabral e à miscigenação. Ele encontrou peças com características intermediárias entre Luzia e os mongolóides, mas não chegou a resultados definitivos, em virtude da pequena quantidade de amostras. Mas os melhores resultados, segundo Vânia Prado, só serão obtidos se arqueologia e genética trabalharem em conjunto. “Uma depende da outra para confirmar seu trabalho.”

Thaís Fernandes
Ciência Hoje on-line
09/01/01