Para não trincar

O sangue oxigenado é bombeado pelo ventrículo esquerdo para fora do coração. A artéria aorta é fundamental na realização dessa tarefa. Por meio de milhões de outras artérias – vasos de calibres dos mais variados –, o líquido alcança as partes mais extremas do corpo. Finalmente nos tecidos, o sangue libera oxigênio e absorve gás carbônico.

As veias – que também somam milhões e são de espessuras diversas – levam então o sangue, a essa altura rico em gás carbônico, de volta ao coração, mais precisamente em direção ao átrio direito. Deve-se sobretudo às veias cavas essa parte do processo. Do átrio direito, o sangue é bombeado para o ventrículo direito e transportado pelas artérias pulmonares – as únicas artérias que são pobres em oxigênio – para o pulmão. No pulmão, o sangue é novamente oxigenado e ruma em direção ao átrio esquerdo, guiado pelas veias pulmonares – as únicas veias que são ricas em oxigênio. Do átrio esquerdo, o sangue retorna ao ventrículo esquerdo, lugar em que todo o ciclo recomeça.

Agora imagine poder ver esse circuito inteiro com os próprios olhos, inclusive o caminho que o sangue percorre dentro de artérias e veias do cérebro e do coração? É o que propõe uma família de vidraceiros (ou vidreiros, a escolha é do freguês) da Califórnia, Estados Unidos. Como? Eles usam a arte de moldar vidros para fabricar os principais vasos sanguíneos que correm pelo corpo humano.

Cérebro
Em destaque, o sistema vascular cerebral. O modelo conta com representação fidedigna das artérias carótidas. (foto: divulgação)

A empresa responsável pelos moldes, a Farlow’s Scientific Glassblowing (FSG), existe há 30 anos. Fabricantes de equipamentos médicos utilizam os protótipos de vidro para testar seus próprios produtos antes de lançá-los no mercado: de aparelhos de hemodiálise a válvulas artificiais para o coração.

O objetivo é simular do modo mais fidedigno possível o fluxo sanguíneo. Em matéria publicada na The Scientist, um dos gerentes da empresa, Wade Martindale, conta que muitos dos produtos são feitos sob encomenda. A representação vítrea do sistema circulatório do corpo humano inteiro (foto de abertura) – a criação mais impactante – é o aperfeiçoamento de uma linha de produção que começou, no passado, com modelos mais rudimentares do coração e de alguns vasos.

Martindale faz questão de dizer que não usa impressora 3D durante o processo. É um trabalho manual, feito a partir de tomografias e ilustrações médicas.

Átrio
Modelo do coração destaca principais vasos sanguíneos dos átrios. (foto: divulgação)

Além da função vascular de cérebro, pulmão, seio e coração, podem ser encomendados moldes que simulam complicações arteriais, como o protótipo que emula um aneurisma.

Na página da empresa, alguns elogios de fabricantes podem ser lidos. As congratulações são direcionadas tanto para a criatividade dos engenheiros da FSG quanto para os moldes em si, que permitiriam testar as “ideias mais radicais” de equipamento.

Apesar de ser voltada para o desenvolvimento de aparatos médicos, a empresa tem certa ambição artística. Não à toa, um dos lemas estampados na página da FSG é: “Onde a arte encontra a ciência”. Uma ‘escultura de vidro’ foi encomendada, inclusive, para ser exposta em galeria nova-iorquina. Só não vale esbarrar.   

Thiago Camelo

Ciência Hoje On-line