Debate acirrado em torno da tecnologia que leva à produção de sementes estéreis (foto: Célio Yano).
A tecnologia que leva à produção de sementes incapazes de germinar após a colheita levantou uma discussão entre produtores, pesquisadores e industriais na MOP3. A princípio, a modificação genética em plantios com o propósito de tornar suas sementes estéreis parece ter função estritamente comercial. Setores contrários a essa tecnologia afirmam que, sem a possibilidade de plantar uma segunda geração de sementes, os agricultores se tornam escravos dos grandes laboratórios de engenharia genética. Do outro lado, as empresas defendem que a tecnologia terminator
(esterilização genética de sementes), que ainda não está sendo comercializada, dificulta a transferência de genes para plantações convencionais – o que aumentaria o nível de biossegurança.
Em evento paralelo da 3ª Reunião das Partes do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (MOP3), realizado no último dia 16, organizações internacionais confrontaram a afirmação das empresas e debateram a segurança das chamadas ‘sementes suicidas’.
Um material de divulgação da Delta & Pine Land, empresa norte-americana que utiliza a tecnologia terminator
na produção de sementes de algodão e soja, afirma que a geração de plantas com sementes estéreis é uma solução de biossegurança por impedir a longo prazo o fluxo indesejado de genes de transgênicos para plantios convencionais. Ricarda Steinbrecher, da organização EcoNexus e membro da Federação de Cientistas da Alemanha, criticou a empresa, afirmando que é impossível garantir hoje que a tecnologia seja totalmente segura.
Gurt é a sigla em inglês para tecnologias genéticas de restrição de uso. Esse termo se refere à tecnologia que fornece um mecanismo para ligar e desligar genes previamente introduzidos, por meio de indutores externos físicos ou químicos. Esse mecanismo permite a performance controlada de transgenes para características específicas, como tolerância a herbicidas, produção de compostos inseticidas e, no caso das terminator, fertilidade. Uma das categorias de Gurts é o V-Gurt ( Gurt varietal), mecanismo que resulta nas sementes terminator
.
Para esse fim, seqüências de genes introduzidas em uma semente são ativadas por indutores químicos, antes da venda ao produtor, para desencadear um processo em que o embrião em cada semente produz uma toxina celular que impede a germinação quando replantada após a colheita. Steinbrecher explicou que há vários cenários de risco no caso da utilização de V-Gurts, como o silenciamento de genes ou mutações.
O silenciamento de gene é um processo não-intencional que não altera o código genético do organismo, mas impede a produção, pelo gene afetado, da proteína que seria sintetizada, o que modifica o comportamento da planta. Com o silenciamento do gene que produz a toxina celular, sementes viáveis ao plantio seriam produzidas, o que impediria o cumprimento do papel de restrição – que tem o objetivo de assegurar que não haja fluxo gênico entre transgênicos e não-transgênicos.
Há ainda o risco de haver mutação, o que poderia gerar sementes germináveis e, possivelmente, a transferência dos genes modificados das plantas para o meio ambiente. Além disso, Steinbrecher explicou que, apesar de produzir sementes estéreis, a planta, mesmo com a modificação genética, continua produzindo pólen e pode, com isso, reproduzir-se por polinização cruzada com organismos não-transgênicos de áreas próximas. As sementes resultantes seriam estéreis. “Isso colocaria em risco culturas tradicionais”, diz.
Steinbrecher concluiu afirmando que as conseqüências potenciais de fracasso são enormes, assim como as de sucesso. “Estamos diante de um dilema que a ciência não está equipada para solucionar”, finalizou.
Posição ideológica
Em seguida, Farida Akhtar, da Ubinig (Política de Pesquisas para Desenvolvimento de Alternativas, na sigla em bengalês), de Bangladesh, falou sobre as conseqüências sociais da implementação das V-Gurts em seu país. Segundo ela, agricultores bengaleses protestam veementemente contra as V-Gurts, uma vez que dependem dos plantios convencionais para sobreviver e sustentar suas famílias. Com a utilização de transgênicos, muitos deles perderiam seus empregos.
Akhtar acredita que a introdução de culturas transgênicas não pretende atender às necessidades dos fazendeiros, mas sim estabelecer o domínio da indústria sobre a agricultura. Para ela, “a criação de sementes terminator
é imoral; esterilizar sementes é oferecer a morte aos agricultores”.
Durante os debates, a crítica foi que não se deve impedir o avanço da biotecnologia enquanto não se provar que ela é prejudicial à biodiversidade. Akhtar respondeu que, independente do risco ou da segurança que a tecnologia possa trazer, ninguém deve impor o uso de sementes terminator
contra a opinião de milhares de famílias de agricultores.
Por ser um assunto que interessa também à biodiversidade, a tecnologia terminatorserá tema de debate na 8ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP8).
Célio Yano e Helen Mendes
Especial para a CH On-line / PR
20/03/2006