Prêmio contempla estudos sobre infância do universo

John Mather (esq.) e George Smoot (dir.), ganhadores do Nobel de física em 2006. Fotos: Nasa (esq.) e Berkeley (dir.).

O Nobel de física deste ano contempla estudos que elucidaram aspectos importantes dos primeiros instantes do universo. Os dois norte-americanos que dividirão o prêmio – John Mather, do Centro Goddard de Vôo Espacial da agência espacial norte-americana (Nasa), e George Smoot, da Universidade da Califórnia em Berkeley –, analisaram dados obtidos pelo satélite Cobe, lançado para investigar a chamada radiação cósmica de fundo, e obtiveram avanços importantes no entendimento da composição e da formação da estrutura em larga escala do universo.

A radiação cósmica de fundo (ou CMB, na sigla em inglês) é um tipo de radiação eletromagnética que permeia todo o universo. Ela foi detectada pela primeira vez quase por acidente pelos norte-americanos Arno Penzias e Robert Wilson em 1964 – que ganharam por isso o Nobel de 1978. A CMB foi gerada cerca de 380 mil anos após o Big Bang (que ocorreu há cerca de 13,7 bilhões de anos), quando a temperatura do universo baixou o suficiente para que a matéria parasse de interagir com a radiação. Como essa radiação se propagou sem interferência até sua detecção nos dias de hoje, ela é considerada um verdadeiro fóssil dos primórdios do universo.

A CMB é, como confirmou o satélite Cobbe, quase exatamente uma radiação dita de corpo negro (emitida por algo que absorve perfeitamente toda a radiação incidente, caracterizada unicamente pela temperatura). Na época de sua emissão, a temperatura do universo era próxima dos 3.000ºC. Desde então, a radiação se resfriou gradualmente à medida que o universo se expandia – a CMB que medimos hoje corresponde a uma temperatura de menos de 3 graus Kelvin (acima do zero absoluto). 

A CMB é difícil de ser estudada a partir da Terra, pois a maior parte da radiação é absorvida pela atmosfera. Veio daí a iniciativa da Nasa de lançar um satélite com o objetivo de investigá-la. Enviado ao espaço em novembro de 1989, o Cobe analisou detalhadamente a estrutura da CMB e obteve um mapa direcional das variações dessa radiação em todo o céu.

Pela primeira vez, os cientistas tinham um mapa de céu inteiro das pequenas flutuações de temperatura (da ordem de uma parte em 100.000) que, acredita-se, deram origem aos grandes aglomerados de galáxias. O estudo dessas flutuações direcionais (ou anisotropias , para usar o termo técnico) deu aos cientistas importantes pistas sobre a composição e a densidade do universo.

A análise dos dados colhidos pelo Cobe confirmou que a CMB era compatível com as previsões feitas pelos modelos baseados na hipótese do Big Bang. “A medição das anisotropias é de longe a mais importante observação dos últimos anos e marca o início da cosmologia de precisão”, avalia o cosmólogo Bruno Mota, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF).

Contribuições dos laureados

Arte da Nasa representa o satélite Cobe, tendo ao fundo o mapa com as variações de temperatura da radiação cósmica de fundo nas diferentes regiões do universo, medidas por esse instrumento (reprodução).

Os dois cosmólogos contemplados com o Nobel representam os mais de mil pesquisadores, engenheiros e técnicos que compõem a equipe envolvida com o projeto Cobe. John Mather foi o coordenador do grupo e o responsável pelos instrumentos a bordo do satélite, tendo conduzido o experimento que revelou que a CMB investigada pelo Cobe correspondia à radiação de corpo negro postulada pela teoria. Já George Smoot foi o responsável por medir as pequenas flutuações de temperatura da radiação nas diferentes regiões do universo.

 

O trabalho dos laureados permitiu calcular como variava a temperatura da radiação cósmica de fundo em diferentes regiões do universo. Esses padrões trazem pistas valiosas para explicar como as galáxias começaram a se formar e como a matéria começou a se aglutinar em determinadas regiões do universo, ao invés de se espalhar de maneira uniforme.

 

A análise definitiva dos dados colhidos pelo Cobe foi publicada em 1992, e qualificada pelo físico britânico Stephen Hawking, em entrevista ao jornal The Times

, como “a maior descoberta do século, senão de todos os tempos”. As medições do satélite abriram as portas para diversas novas áreas de investigação na cosmologia e na física de partículas.

 

Os dados obtidos pelo Cobe permitiram ainda conferir à cosmologia o status de ciência exata na plena acepção do termo. Antes disso, essa disciplina era baseada em especulações, previsões teóricas e medições imprecisas. A partir dos dados observacionais colhidos pelo Cobe e por outros instrumentos enviados posteriormente ao espaço (como a sonda WMAP), foi possível cotejar pela primeira vez estimativas teóricas com medições reais de precisão.

 

A decisão da Real Academia Sueca de Ciências contempla uma área nem sempre lembrada no Nobel de física. “É raro que o prêmio saia para a cosmologia e para a área de gravitação e relatividade de modo geral”, avalia Bruno Mota. “É difícil em geral obter a confirmação experimental de algumas previsões teóricas, e as medições cosmológicas eram muito imprecisas até pouco tempo atrás”.

 

 

Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line
03/10/2006