Previsões incertas

O 4º relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), divulgado este ano, apresentou previsões alarmantes de alterações no clima de todo o mundo. No Brasil, o aquecimento global poderia causar, entre outros efeitos, a transformação da floresta amazônica em savana. Mas, segundo apontaram especialistas brasileiros durante a reunião anual da SBPC, a insuficiência de dados sobre a região evidencia a limitação da confiabilidade dos modelos teóricos e reforça a necessidade de mais estudos para diminuir a incerteza desse cenário futuro.

No último sábado, nove cidades dos sete continentes do planeta sediaram simultaneamente o Live Earth (‘Terra ao vivo’, em português), evento de 24 horas de shows de música que reuniu cerca de 2 bilhões de pessoas com o objetivo de conscientizar o público sobre o aquecimento global. Acima, o palco dos shows de Londres, no estádio de Wembley.

O documento do IPCC foi conclusivo ao atribuir a elevação acelerada da temperatura da Terra às atividades humanas, como a emissão de gases de efeito estufa devido ao uso de combustíveis fósseis, ao desmatamento e ao desperdício de recursos naturais. O alerta ganhou destaque na mídia e mobilizou a sociedade. Mas, para cientistas brasileiros que participaram da elaboração do relatório, a população pode fazer muito pouco além de se informar sobre os riscos associados ao aumento de temperatura. Cabe ao governo filtrar a informação científica e agir para promover a adaptação às exigências impostas pelas mudanças climáticas.

Um dos membros brasileiros do IPCC, o meteorologista José Antonio Marengo, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), destaca que o aquecimento global é uma realidade. Segundo o relatório, nos últimos 50 anos foi registrado um aumento de temperatura no Brasil de 0,7 ºC. Na Amazônia, essa elevação foi de 0,83 ºC nos últimos 100 anos. No final do século 21, a temperatura poderia ficar de 4 a 8 ºC mais quente e as chuvas poderiam ser reduzidas entre 15 e 20% na região, em um cenário pessimista. O cenário otimista prevê aumento de 3 a 5 ºC na temperatura e redução de 5 a 15% das chuvas.

Essas mudanças poderiam causar perdas nos ecossistemas e na biodiversidade da Amazônia – especialmente no leste –, redução no volume de chuvas e nos níveis dos rios, maior ocorrência de eventos extremos de chuva e seca e condições favoráveis para o aumento das queimadas. “É possível que ocorra a savanização da Amazônia e que a seca de 2005 se torne um evento mais comum no futuro“, conclui Marengo.

Grupos mais vulneráveis
Para compreender e enfrentar essas mudanças, Marengo propõe a elaboração de um mapa que reúna informações sobre a vulnerabilidade da Amazônia em diversos setores – entre eles, saúde, ecossistemas, biodiversidade e agricultura – na tentativa de identificar populações e áreas de maior risco em curto, médio e longo prazos.

O parasitologista Ulisses Confalonieri, do Centro de Pesquisas René Rachou, vinculado à Fundação Oswaldo Cruz, ressalta que as comunidades mais pobres são especialmente vulneráveis às alterações climáticas, por se concentrarem em áreas de alto risco e dependerem mais de recursos locais sensíveis ao clima, como água e alimentos.

“O relatório do IPCC conclui que haverá menor disponibilidade de água em áreas já secas de regiões subtropicais e o aumento do nível do mar irá estender as áreas de salinização de água do subsolo e provocar inundações em áreas baixas e populosas“, diz o pesquisador, que também participou da elaboração do relatório. “Além disso, em baixas latitudes, o potencial agrícola poderá diminuir, aumentando o risco de fome.“

Confalonieri explica que os efeitos do aquecimento global irão agravar problemas de saúde já existentes, especialmente doenças endêmicas cuja ocorrência está vinculada a fatores climáticos. Segundo ele, o IPCC prevê o aumento da desnutrição e de doenças diarréicas. Doenças cardiorrespiratórias também seriam mais freqüentes devido a maiores concentrações de ozônio no nível do solo. “Poderiam ocorrer também mudanças nos períodos de transmissão e na distribuição espacial de doenças como dengue, malária e leishmaniose, além de epidemias de leptospirose, doença veiculada pela água“, completa.

Simulações x realidade
O IPCC atribui às suas conclusões um grau de 90% de confiabilidade. Os cientistas brasileiros concordam que as simulações dos modelos teóricos usados têm suas limitações. “Sempre há um grau de incerteza“, diz Confalonieri. Segundo o engenheiro florestal Niro Higuchi, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, a floresta pode não se comportar da forma como apontam as previsões.

“A floresta amazônica tem um padrão de crescimento que pode não estar associado com o volume de chuvas no local“, esclarece o pesquisador, que há 27 anos realiza pesquisas na região. Ele ressalta a necessidade de mais estudos para aperfeiçoar a elaboração de cenários de mudança climática. “Pouco se sabe sobre as respostas da Amazônia às mudanças locais, e menos ainda se sabe sobre as mudanças globais.“

Thaís Fernandes
Ciência Hoje On-line
09/07/2007