Promessa é dívida

  Considerado o ‘livro da vida’ por seus divulgadores, o mapeamento do genoma humano foi um marco nos estudos de genética. No entanto, o tom exagerado dos textos publicados na mídia soa como propaganda enganosa aos ouvidos atentos do jornalista Marcelo Leite. No livro Promessas do Genoma , ele analisa a fundo as reportagens sobre os resultados do Projeto Genoma Humano e demonstra como, ao supervalorizar o alcance da descoberta científica, a imprensa vendeu a idéia errônea de que decifrar o código genético do ser humano seria a solução para todos os nossos males.

Com vasta experiência na área de jornalismo científico – atualmente Marcelo Leite escreve uma coluna sobre ciência e tecnologia para a Folha de São Paulo –, o autor mostra que a mídia deu ao mapeamento genético quase um status de religião. Logo nas primeiras páginas, Leite lembra do entusiasmo presente na cerimônia de anúncio do seqüenciamento, em 2000. O então presidente Bill Clinton declarou que o código genético seria a “linguagem que Deus criou a vida”, o que, segundo Leite, levou o público a ver os cientistas como semideuses que conseguiram decifrar a mensagem divina. Nas matérias que se seguiram ao anúncio, termos como ‘Santo Graal’, ‘admirável mundo novo’ e ‘nova era’ foram usados, apontando para um futuro em que os medicamentos agiriam como ‘balas de prata’, com precisão molecular adequada ao perfil genético do paciente. O problema é que esse futuro nunca chegou, e os 12 anos de trabalho e mais de US$ 2 bilhões em investimentos perderam o status de ‘revolução’.

A partir da análise detalhada de entrevistas, artigos e livros publicados sobre o tema, Leite explica como a biologia genética se tornou a ciência preferida da mídia atual. A disciplina passa a ocupar um espaço que já foi da pesquisa nuclear e da corrida espacial e se transforma na ciência do momento, aquela que recebe a maior parte dos investimentos – e das atenções. Nesse contexto, a imprensa corre o risco de simplificar ou exagerar a importância do mapeamento genético, e a população tende a acreditar que o ser humano é apenas um punhado de genes, o que reforça a crença no determinismo biológico.

O autor também ressalta como a linguagem própria do mundo da informática pode distorcer o estudo da biologia. Segundo ele, o termo ‘código genético’, por exemplo, mostra o gene como uma mensagem a ser decifrada e se assemelha ao significado da palavra ‘programa’. O genoma passa a ser a informação essencial, aquilo que traduz o ser humano; e o DNA torna-se a tradução perfeita de ‘destino’.

Com a objetividade típica do jornalismo, Marcelo Leite apresenta seus argumentos sem rodeios. Por outro lado, como o livro foi fruto de uma tese de doutorado, a quantidade de referências pode cansar o leitor leigo, mas é indispensável para quem quer se aprofundar no assunto e recorrer às fontes originais.

Ler Promessas do Genoma não é somente refletir sobre como a mídia se manifestou acerca do mapeamento dos genes do ser humano, mas também sobre como o público em geral vê o estudo genético. O livro funciona como um puxão de orelha nos cientistas, jornalistas e divulgadores de ciência em geral e traz de volta ao chão quem já se sentia em um futuro em que uma sociedade biologicamente perfeita seria possível. 

Promessas do Genoma
Marcelo Leite
São Paulo, 2007, Editora Unesp
Fone: (11) 3242-7172
248 páginas – R$ 30

Fernanda Alves
Ciência Hoje On-line
21/05/2007