Proteína fluorescente revolucionou biologia

Da esquerda para a direita: Osamu Shimomura, Martin Chalfie e Roger Tsien (fotos: J. Henriksson-Scanpix / J. Henriksson-Scanpix / UCSD).

A descoberta e o desenvolvimento de proteínas fluorescentes coloridas que revolucionaram a biologia renderam o Nobel de Química deste ano a um japonês e dois norte-americanos. Osamu Shimomura, Martin Chalfie e Roger Tsien dividirão o prêmio em três partes iguais, anunciou hoje a Real Academia Sueca de Ciências.

As proteínas fluorescentes são hoje uma das mais importantes ferramentas para estudos em vários campos da biologia. Por brilharem sob a luz ultravioleta, elas permitem visualizar processos que antes não podiam ser enxergados pelos cientistas, como o desenvolvimento de células nervosas, o alastramento de tumores, a progressão do mal de Alzheimer no cérebro ou o crescimento de bactérias patogênicas.

Hoje essas proteínas são usadas para a manipulação genética de organismos vivos usados em pesquisas – de bactérias e protozoários a vermes e até mamíferos como camundongos. Seu uso transcendeu, inclusive, a esfera da ciência – o leitor talvez se lembre do coelho que brilha no escuro produzido pelo artista plástico brasileiro Eduardo Kac.

“A possibilidade de clonar uma proteína fusionada com proteínas fluorescentes revolucionou a forma de estudar a expressão de genes”, avalia a bióloga Andréa Macedo, pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), cujo grupo de pesquisa tem trabalhado com essas proteínas (ver ‘Parasitas fluorescentes’). “Antes disso, tínhamos dificuldade para monitorar a expressão desses genes. Hoje é muito fácil: basta olhar ao microscópio, ou nem isso, no caso de animais maiores”.

A pesquisa médica está entre as áreas beneficiadas por esse desenvolvimento. “Muitas doenças são causadas pela falta ou pelo aumento da expressão de certos genes”, lembra Macedo. “Ao estudá-los com proteínas fluorescentes, fica possível entender quando, onde e como está ocorrendo sua expressão.”

Água-viva pioneira

A proteína fluorescente verde (GFP) foi identificada pela primeira vez na água-viva Aequorea victoria, em 1962 (foto: Fundação Nobel).

A primeira proteína fluorescente conhecida foi descoberta em 1962 por Osamu Shimomura, um dos laureados deste ano. Ele isolou a chamada GFP – sigla em inglês para proteína fluorescente verde – estudando a água-viva Aequorea victoria,

que tem um órgão bioluminescente capaz de emitir um brilho verde quando o animal é agitado. Já nos anos 1970, ele conseguiu desvendar o mecanismo bioquímico que conferia essa propriedade à proteína.

 

Outro dos premiados deste ano, Martin Chalfie, começou a trabalhar com a GFP no final dos anos 1980. Ao tomar conhecimento da existência dessa proteína, ele intuiu que ela poderia ser um interessante marcador para visualizar processos biológicos em organismos vivos. Chalfie teve a idéia de conectar o gene da GFP com outros genes, de forma a visualizar a ativação destes e a produção de proteínas.

 

Para levar sua idéia a cabo, Chalfie identificou, com a ajuda de outros pesquisadores, a localização do gene responsável pela síntese da GFP no genoma da Aequorea victoria.O passo seguinte foi cloná-lo na bactéria Escherichia coli,que passou a produzir o gene e a brilhar no escuro quando iluminada por luz ultravioleta. Para coroar seu sucesso, Chalfie conseguiu inserir o gene da GFP no verme nematódeo Caenorhabditis elegans,

um importante organismo modelo para estudos de biologia do desenvolvimento, e conseguiu entender a formação de suas células nervosas.

 

Já a contribuição do terceiro laureado, Roger Tsien, foi ampliar o espectro cromático das proteínas fluorescentes. Ao trocar alguns aminoácidos na seqüência da proteína GFP, ele conseguiu obter proteínas fluorescentes capazes de absorver e emitir luz em várias partes do espectro – ou seja, capazes de assumir diferentes cores.

 

A vantagem de se usar proteínas marcadas com cores diferentes é que, com isso, tornou-se possível visualizar as interações entre elas no organismo. Um belo e conhecido uso dessa técnica é um estudo de 2007 em que células do sistema nervoso de camundongos foram marcadas com proteínas de diferentes cores,

de forma a permitir a visualização da forma como elas interagiam.

 

Parasitas fluorescentes

 

Tripanossomos geneticamente modificados para expressar as proteínas fluorescentes verde e vermelha. O estudo ajudou a elucidar aspectos da infecção pelo parasita (foto: Simone Pires e colaboradores, 2008).

 As proteínas fluorescentes são hoje usadas por milhares de pesquisadores do mundo inteiro, inclusive no Brasil, para entender os diversos processos biológicos. Um exemplo recente é o uso dessas proteínas para entender a infecção pelo parasita Trypanosoma cruzi

durante a doença de Chagas.

 

O trabalho foi conduzido pela bióloga Simone Pires, integrante do grupo de Andréa Macedo na UFMG, e publicado este ano no International Journal for Parasitology.

A equipe obteve tripanossomos geneticamente modificados para expressar as proteínas fluorescentes verde e vermelha.

 

“A idéia era acompanhar visualmente quais tecidos eram infectados pelo parasita”, explica Macedo. “Há poucos parasitas no organismo durante a fase crônica da doença, e é difícil encontrá-lo. Com o uso das proteínas fluorescentes foi mais fácil visualizá-lo”. O trabalho ajudou a elucidar vários aspectos da infecção pelo parasita, como os mecanismos de invasão celular ou a troca genética entre diferentes tripanossomos. 


Os ganhadores

Osamu Shimomura nasceu em 1928, em Quioto, no Japão. Doutorou-se emquímica orgânica em 1960 pela Universidade de Nagóia, em seu país. Éprofessor do Laboratório de Biologia Marinha em Woods Hole e da EscolaMédica da Universidade de Boston, ambos nos Estados Unidos.

Martin Chalfie nasceu em 1947 nosEstados Unidos e foi criado em Chicago. Doutorou-se em neurobiologia em1997, pela Universidade Harvard. É professor de biologia daUniversidade Colúmbia, em Nova York (EUA), desde 1982.

Roger Y. Tsien nasceu em 1952 em NovaYork. Doutorou-se em fisiologia em 1977 pela Universidade de Cambridge(Reino Unido). É professor da Universidade da Califórnia em San Diego(EUA), desde 1989.

Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line
08/10/2008