Proteína promissora

Corte longitudinal das medulas de dois ratos lesionados. O animal submetido a tratamento com laminina (no alto) teve o tecido restaurado (indicado pelas setas vermelhas). O mesmo não ocorreu com o rato que não recebeu tratamento (abaixo), que apresenta cavidades (indicadas com as setas azuis) na área seccionada da medula (imagem: Karla Menezes).

A recuperação de algumas funções motoras perdidas após acidentes com lesões na medula já não é mais um sonho – pelo menos para roedores. A responsável pela boa notícia é uma proteína que, aplicada na região afetada durante a fase aguda da lesão, mostrou-se capaz de promover o crescimento de neurônios adultos. Testes em ratos conduzidos por pesquisadores brasileiros apresentaram bons resultados até em casos de rompimento completo da medula.

Os resultados foram obtidos por pesquisadores do Laboratório de Biologia da Matriz Extracelular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O grupo mostrou que uma proteína presente na matriz extracelular, a laminina, é capaz de promover o crescimento da parte responsável pela condução dos impulsos elétricos dos neurônios (os axônios), quando depositada em solução ácida. Estudos já haviam demonstrado que a medula pode apresentar uma pequena regeneração após ser lesionada, mas as aplicações da proteína tiveram resultados impressionantes.

Em sua tese de mestrado, a bióloga Karla Menezes, orientada pela professora Tatiana Sampaio, testou a aplicação da proteína em lesões de medula em ratos e constatou que ela pode ajudar a recuperar funções motoras consideradas perdidas.

“A paralisia de membros após uma lesão de medula ocorre devido ao comprometimento dos axônios, que são como fios elétricos que conduzem as informações do cérebro ao resto do corpo”, explica Menezes. “A aplicação da laminina em pH ácido ajuda a preservar os axônios da degeneração, além de estimular sua regeneração”.

Roedores lesionados
Os pesquisadores injetaram a solução de proteína na medula de ratos com lesões leves, moderadas ou graves. As aplicações foram feitas entre trinta minutos e 10 dias após as lesões. Testes funcionais foram realizados periodicamente para analisar o equilíbrio, a força e o reflexo dos animais, avaliados segundo uma escala que ia de zero (nenhuma resposta) a 21 (movimento normal).

 

Clique para assistir ao vídeo que mostra parte dos testes que avaliaram a recuperação de um rato com lesões graves na medula após receber tratamento com laminina (imagens: Gabriel Maia).

Já nas primeiras semanas, foram detectados excelentes avanços nos animais com lesões leves, que chegaram ao fim do tratamento com 21 pontos, contra 17 dos animais que não foram tratados. “Em humanos, esse resultado seria o equivalente a uma pessoa que sai da cadeira de rodas e passa a usar uma bengala”, compara Menezes.

Já os animais que tiveram a medula inteiramente partida (simulação de uma lesão gravíssima) obtiveram nota 10 na oitava semana contra uma nota máxima de 4 dos animais não tratados. Nesse caso, os animais não conseguiram executar o movimento completo ao andar, mas tinham força suficiente para sustentar os quadris e podiam posicionar as patas de acordo com o movimento que desejavam fazer.

“Esses avanços representariam uma enorme diferença para um paciente que não tivesse nenhum controle sobre os membros”, argumenta a bióloga.

Ação anti-inflamatória
Após análises de frações das medulas lesionadas, os pesquisadores constataram que, além da estimular o crescimento dos axônios, a laminina possui propriedades anti-inflamatórias. Logo nos primeiros dias de aplicação, o número de macrófagos (células que destroem o tecido morto ou infectado) na região afetada foi muito menor nas medulas tratadas. Além disso, o nível da proteína C reativa, que indica a ocorrência de inflamação aguda, foi muito abaixo do esperado. 

A pesquisa concluiu que a laminina não só estimula o crescimento de novos axônios e restitui as funções perdidas pelos neurônios no momento da lesão, como também protege o tecido nervoso da reação inflamatória que ocorre após a lesão da medula, o que evita danos e acelera a recuperação do paciente.

O artigo que apresenta em detalhes os resultados do estudo foi submetido a um periódico da área. O próximo passo dos pesquisadores será testar a solução de laminina associada ao uso de células-tronco derivadas da medula óssea, do tecido adiposo e da mucosa olfativa. “Já testamos estes tratamentos isoladamente com bons resultados”, afirma Menezes. “Esperamos que, combinados, eles apresentem resultados ainda melhores”, aposta a pesquisadora, que desenvolve o novo estudo para sua tese de doutorado. 

Barbara Marcolini
Ciência Hoje On-line
02/06/2009