Você já parou para pensar sobre a importância de nossos dedões para que fiquemos de pé, ou de nossos polegares para manipularmos ferramentas? Já procurou entender por que choramos, beijamos ou rimos? Pois essas são algumas questões essenciais para se entender o desenvolvimento da espécie humana, defende o jornalista especializado em ciência Chip Walter.
No livro Polegares e lágrimas – e outras peculiaridades que nos tornam humanos, o escritor norte-americano analisa como essas seis características nos definem, como elas surgiram e como estão em constante mudança na nossa estrada evolutiva.
O homem compartilha parte do material genético dos chimpanzés, escreve Walter. Mas, em algum momento da evolução, seguimos um caminho diferente dos demais primatas – e esses seis elementos ajudam a explicar onde começa e aonde chega essa nova estrada.
Aprendemos a nos comunicar por meio de sons específicos graças ao aprimoramento na nossa faringe. Começamos a andar em postura ereta porque nossos dedões foram se desenvolvendo para sustentar o nosso peso. Passamos a sentir emoções e refletir sobre a vida justamente pela mudança de tamanho e formato do nosso cérebro. Ao longo do livro, Walter explica como essas e outras características se desenvolveram na batalha pela sobrevivência.
Antes de partir para os exemplos específicos, Walter fala sobre as teorias de evolução do homem, apresentando tanto as ideias defendidas por Charles Darwin quanto as de Stephan Jay Gould.
O evolucionista norte-americano acreditava que as espécies podem ter sofrido mudanças abruptas em momentos pontuais, enquanto para Darwin a evolução das espécies ocorreu progressivamente. O britânico relacionava mudanças de comportamento às alterações ambientais. Para ele, as adaptações estavam associadas à sobrevivência. E um dos pontos principais dessa teoria é justamente a seleção sexual, ou a competição pelo sexo oposto.
Machos e fêmeas. E o beijo.
Segundo Walter, as complexas relações humanas são fundamentais para a vida, e também estão relacionadas à evolução, que acompanhou adaptações de comportamento. Por exemplo: o cérebro humano cresceu tanto que o tamanho da cabeça do bebê tornaria o parto inviável para a mãe. Mas o órgão se desenvolveu dividido em oito partes, permitindo que a cabeça humana se mantivesse maleável o suficiente para o nascimento. Isso comprova que nascemos todos prematuros e continuamos a crescer por mais um terço de nossas vidas.
Se a reprodução bem-sucedida depende da escolha pela fêmea de um macho ideal, a fragilidade do recém-nascido também influiu na determinação do que seria este ideal. Com os filhotes mais frágeis, as mães passaram a ser mais exigentes, à procura de pais mais cuidadosos.
Aí está a semente para a monogamia, a fidelidade e a maior ligação entre pais e filhos, se comparado com os demais primatas. O ciúme é reflexo da preocupação em garantir a uma reprodução bem-sucedida.
Já o impulso para o beijo é atribuído por muitos cientistas aos feromônios. Eles são substâncias químicas utilizadas na comunicação entre indivíduos de uma mesma espécie. A alimentação também estaria relacionada ao desejo de beijar – o ato de ter a comida dada na boca durante os primeiros anos de vida indica carinho e atenção.
E tamanha é a importância dada ao sexo oposto que, numa conversa, usamos dois terços de nossa capacidade de comunicação para tratar de emoções e experiências pessoais com o nosso “par”, calcula Walter.
Falar, rir ou chorar
A linguagem articulada é outra singularidade dos seres humanos, e uma das mais importantes. Uma teoria para explicar seu surgimento é de que passamos a imitar os sons da natureza. De acordo com Walter, porém, a fala teria surgido há apenas 100 mil anos graças a mudanças ocorridas na faringe depois que os homens passaram a andar eretos – o que, por sua vez, está relacionado ao desenvolvimento do nosso dedão do pé.
O nosso comportamento atual também está relacionado ao desenvolvimento do corpo. Só rimos, por exemplo, porque a forma como controlamos a respiração nos permite emitir sons ao mesmo tempo. E só podemos fazer isso porque andamos sobre duas ‘patas’, e não quatro. Além disso, só conseguimos rir de cócegas feitas por pessoas íntimas a nós – caso contrário, será uma situação constrangedora e incômoda.
Da mesma forma, o costume de chorar é único. O homem é o único animal que o faz por razões emocionais. O choro, mais que o riso, é uma importante ferramenta de comunicação. No início da vida, ele é a expressão de necessidades vitais básicas, como fome ou dor, hábito claramente instintivo.
Mas no livro aprendemos que o choro com propósito fisiológico é quimicamente diferente do emocional, que tem mais hormônios ligados a estresse, tristeza, ansiedade ou felicidade. Os nervos conectados às glândulas lacrimais passam por todo o cérebro e, por isso, choramos por tantos motivos diferentes.
Chorar é a maneira de liberar os hormônios que nos deixam tristes. E rir é a maneira de curar. O riso, por outro lado, libera substâncias como noradrenalina, endorfina e encefalinas analgésicas, que reduzem a sensação de dor e estresse, e acalmam. Entendemos, assim porque “rir é o melhor remédio”.
Ao ler essas e outras explicações de Chip Walter, apresentadas de maneira tão leve e divertida em sua obra, compreendemos um pouco mais sobre o que é ser humano. Entendemos que não somos subproduto da evolução, mas agente dela; e que, portanto, não há comportamento e explicação definitivos. O autor ainda arrisca algumas previsões para o futuro do homem, relacionando a tecnologia ao aparecimento dos cyber sapiens, como ele chama os robôs.
Será que, dos primatas, passaremos a nos comparar com robôs?
Larissa Rangel
Ciência Hoje On-line
peculiaridades que nos tornam humanos
Chip Walter
320 páginas – R$ 54,90
Editora Record
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