Riqueza abaixo, pobreza acima

“A paleontologia desperta um grande interesse no público e, no Maranhão, todos os sítios paleontológicos estão cercados de comunidades muito pobres.” A afirmação é do paleontólogo Manoel Alfredo Araújo Medeiros, da Universidade Federal do Maranhão, e junta, para bom entendedor, a fome com a vontade de ver fósseis e pegadas de dinossauros.

Sob os pés das populações muito simples de todo o estado do Maranhão, pode estar um caminho possível para combater a pobreza

Em conferência na 64ª Reunião Anual da SBPC, Medeiros defendeu que, sob os pés das populações muito simples de todo o estado do Maranhão, pode estar um caminho possível para combater a pobreza. “Centro-Leste, Norte e Sul, todo o Maranhão tem um terreno rico em fósseis, em especial do período Cretáceo [entre 145 milhões e 65 milhões de anos atrás]”, afirmou. “Já passou da hora de o estado investir em projetos que possam transformar esse patrimônio em recursos e renda para essas pessoas.” 

Ossos que valem ‘ouro’

A exploração do ‘turismo paleontológico’ não é uma novidade. Diversas cidades em todo o mundo, inclusive no Brasil, já têm boa parte de suas receitas geradas pelo grande afluxo dos ‘fãs’ das feras pré-históricas.

A exploração do ‘turismo paleontológico’ não é uma novidade 

Nos Estados Unidos, o Ashfall Fossil Beds State Historical Park, por exemplo, reúne fósseis de diversas espécies de mamíferos primitivos soterrados pelas cinzas expelidas pela erupção de um vulcão da região e permite ao visitante até mesmo desenterrar os ossos dos animais. Já na Patagônia argentina, o ‘vale dos dinossauros’ responde pelo nome de El Chocón, que conta com réplicas em tamanho natural dos répteis gigantes.

No Brasil, alguns sítios paleontológicos também já possuem grande destaque turístico. Uberaba, no Triângulo Mineiro, promove mensalmente o Caminho dos Dinossauros, grandes caminhadas na região do rico sítio paleontológico de Peirópolis. Sousa, no sertão paraibano, aproveitou seu passado de charco lamacento para criar o Vale dos Dinossauros, maior sítio de pegadas de dinossauros do Brasil.

O ponto comum a todos esses casos é o investimento feito na região do sítio turístico para integrá-lo às atividades e atrativos locais. “No caso argentino, por exemplo, o parque localiza-se ao lado de uma represa e articulou-se com a cidade mais desenvolvida da província, Neuquén, para criar uma rota da maçã, dos vinhos e dos dinossauros”, afirmou. “São exemplos que mostram a importância dessas iniciativas para o desenvolvimento da região ao seu redor, com a criação de uma infraestrutura de alimentação, hotelaria, artesanato e turismo ecológico capaz de gerar renda, emprego e qualidade de vida às populações locais.”

Pesquisador
‘Nova espécie de dinossauro encontrada no Maranhão’ – o espantado paleontólogo Manoel Medeiros, da UFMA, ao ver um achado tão recente de seu grupo estampado no jornal. Sinal do interesse despertado pela área. (foto: Marcelo Garcia)

Parque dos dinossauros do Maranhão

No período Cretáceo, o norte do Maranhão era o delta de um grande rio e tinha o clima marcado por alguns meses de chuvas torrenciais e longos períodos de seca. Segundo Medeiros, suas florestas de araucárias ancestrais abrigavam alguns dos maiores dinossauros do país, como os gigantes titanossauros, o carcharodontossauro (um dos maiores predadores do Nordeste primitivo), o Amazonsaurus e pterossauros. Hoje, os restos desses animais formam ricos sítios paleontológicos, com destaque para a ilha de Cajual, que tem o maior número de fósseis identificados no país.

O único espaço da região dedicado à exibição das ossadas desses animais é uma salinha solitária

Em contraste com essa riqueza, o único espaço da região dedicado à exibição das ossadas desses animais é uma salinha solitária no Centro de Pesquisa de História Natural e Arqueologia do Maranhão, em São Luís. Mas, se depender do paleontólogo, em breve a cidade ficará famosa não só pelos seus azulejos, mas também por seu incrível parque dos dinossauros.

Medeiros e sua equipe da UFMA propõem a criação do projeto Safari Cretáceo, um grande parque temático que seria construído na capital do Maranhão para representar a diversidade pré-histórica do estado. A atração contaria com um grande museu de paleontologia, réplicas em tamanho natural dos animais que viveram na região e até uma caverna artificial com aquários que permitiriam observar reproduções dos animais marinhos do período Cretáceo.

Um anteprojeto do espaço, que seria o maior parque temático dedicado à paleontologia na América Latina, já foi apresentado ao governo estadual. A estimativa é que seria necessário um investimento da ordem de R$ 20 milhões. Embora a proposta seja ousada, o pesquisador não cogita buscar parceiras com a iniciativa privada para a construção.

Peirópolis
Réplica de dinossauro em tamanho natural no sítio paleontológico de Peirópolis. Obra feita pelo artista e escultor Norton de Oliveira Senerich. (foto: divulgação)

“O projeto do parque não seria voltado para o lucro, por isso, não haveria um retorno do investimento a curto prazo”, explicou. Medeiros disse que não há condições de instalar a atração no interior, próximo das áreas mais ricas em fósseis. “Mas acredito que sua construção na capital poderá estimular o turismo em toda a região e talvez a criação de outras iniciativas locais, em proporções menores.”

Outra possibilidade levantada pelo pesquisador seria a criação de um geoparque no Maranhão – uma área de proteção de grande importância geológica e paleontológica voltada para o desenvolvimento da região e integrada a uma rede mundial da Unesco. O Brasil conta com apenas um geoparque oficial, o GeoPark Araripe, no Ceará, mas outras localidades buscam a certificação da Unesco, como Fernando de Noronha e áreas de Minas Gerais e do Piauí.

“Apesar de os sítios do Maranhão serem muito espalhados, a ilha do Cajual talvez pudesse ser transformada em um geoparque, mas, para isso, é necessária uma grande articulação entre governo, academia, iniciativa privada e comunidades locais, o que ainda está longe de acontecer no estado”, avaliou. “O mais importante, no entanto, é buscar alternativas para utilizar os recursos do Maranhão para mudar a realidade local e estimular investimentos em educação e cultura.”

Marcelo Garcia
Ciência Hoje On-line