Rumo ao pneu verde?

Extração de látex de uma seringueira. Um composto derivado do látex desenvolvido por cientistas da Unicamp pode levar no futuro à produção de pneus recicláveis.

Um dos principais problemas associados ao uso de pneus é a poluição causada por seu descarte no meio ambiente. Agora, um material de base nanotecnológica desenvolvido por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) a partir do látex da borracha natural pode ser a chave para que, no futuro, sejam fabricados pneus recicláveis com qualidade semelhante à dos atuais e custo de produção menor.

Segundo o químico Fernando Galembeck, do Instituto de Química da Unicamp, é difícil reprocessar a borracha usada atualmente na fabricação de pneus. Para que ela adquira a elasticidade necessária, passa por um processo – chamado vulcanização – que dificulta a separação das ligações entre suas cadeias de moléculas e impede que, mesmo aquecida, a borracha amoleça.

“Conseguimos desenvolver uma borracha parecida com a que se faz com a vulcanização, mas sem usar esse processo, que é a origem dos problemas ecológicos dos pneus”, disse Galembeck em conferência na reunião anual da SBPC. O novo material é um nanocompósito de látex de borracha natural e argila em água, feito a partir da combinação desses componentes em escala nanométrica. “Encontramos uma possibilidade de transformar a borracha natural em nanocompósito aumentando as propriedades que ela mesma tem.”

Para trabalhar com a borracha natural, a equipe de Galembeck analisou sua composição química e suas propriedades elétricas. O trabalho, que resultou em uma tese de doutorado defendida em 2005, mostrou que a borracha por si só é um nanocompósito polimérico. Ela tem grande parte de material nanoparticulado, que contribui para sua coesão, além de outros elementos químicos.

O químico ressalta que a borracha natural é um modelo interessante para a nanotecnologia, por ter propriedades que até hoje são mal compreendidas pela ciência. “A borracha sintética não substitui a natural em muitas aplicações. Há 60 anos os pesquisadores tentam entender por quê, mas esse mistério ainda não foi resolvido.”

Elasticidade e resistência
O pesquisador ressalta que o nanocompósito de látex demonstrou propriedades mecânicas inéditas. “Conseguimos uma elasticidade muito boa, aliada a uma maior resistência à tração.” O nanocompósito de látex foi analisado com diferentes percentuais de argila na sua composição, o que modificou completamente suas propriedades e, conseqüentemente, permite seu uso em diversas aplicações. “Esse processo é plenamente controlável”, acrescenta. Além disso, pode ser usado o látex extraído de qualquer espécie de seringueira.

Segundo Galembeck, após a adição de 30% de argila, a nova borracha se comporta como um termoplástico, ou seja, um material que pode ser reprocessado, porque se torna plástico quando aquecido. “A partir desse nanocompósito, será possível desenvolver um elastômero termoplástico que poderá ser usado para fabricação de pneus recicláveis.”

Galembeck diz que atualmente já existem elastômeros termoplásticos, mas nenhum deles tem as características adequadas para a confecção de pneus. “Desenvolver borrachas reprocessáveis resolveria um problema ambiental grande e reduziria os custos de produção”, acrescenta.

O nanocompósito de látex está patenteado e licenciado para uma empresa. Os pesquisadores agora trabalham no desenvolvimento do processo de produção do material em maior escala. “Ainda estamos longe do seu uso em pneus. Para isso, seria necessário produzir muito material para sustentar a realização de grandes experimentos”, avalia.

Para o químico, o Brasil hoje vive uma oportunidade fantástica diante da necessidade mundial de substituir as matérias-primas derivadas de petróleo. “Nenhum país tem condições melhores de produzir nessa área.”

Thaís Fernandes
Ciência Hoje On-line
12/07/2007