Síntese facilitada

A criação de técnicas que permitiram a síntese de compostos que antes era impossível obter em laboratório foi o feito contemplado pelo Nobel de Química deste ano. O prêmio de 10 milhões de coroas suecas (equivalente a cerca de R$ 2,5 milhões) será dividido em partes iguais por três pesquisadores.

Os agraciados são o norte-americano Richard F. Heck (1931-), professor emérito da Universidade de Delaware, nos Estados Unidos, e os japoneses Ei-ichi Negishi (1935-), professor de química da Universidade Purdue, nos Estados Unidos, e Akira Suzuki (1930-), professor emérito da Universidade Hokkaido, no Japão.

Os laureados desenvolveram, de forma independente, métodos que usam o metal paládio como catalisador para a síntese de moléculas orgânicas. (Um catalisador é uma substância que aumenta a velocidade ou eficiência de uma reação.)

“Na química orgânica todos usam os métodos desenvolvidos pelos premiados”

Os métodos criados por eles permitiram produzir em laboratório moléculas orgânicas complexas – que têm em sua estrutura um ‘esqueleto’ formado por longas cadeias de carbono. O paládio usado como catalisador da reação favorece a ligação dos átomos de carbono – que, por sua estabilidade, não reagem facilmente uns com os outros.

“Na química orgânica todos usam os métodos desenvolvidos pelos premiados. A escolha é muito justa”, avalia o engenheiro químico Martin Schmal, coordenador do Núcleo de Catálise da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ). “O grande mérito deles é a aplicação desse método na construção de novas moléculas que servem tanto para a indústria, quanto para a medicina ou a química fina.”

Laureados - Nobel de Química 2010
Os laureados de 2010 com o Nobel de Química. Da esquerda para a direita: o americano Richard F. Heck e os japoneses Ei-ichi Negishi e Akira Suzuki (fotos: Universidades de Delaware / Purdue / de Hokkaido).

 

Pulo do gato

Antes do trabalho dos laureados, eram conhecidos métodos que permitiam a síntese de pequenas moléculas orgânicas. Quando era tecnicamente possível, a síntese de moléculas mais complexas, com um número maior de átomos de carbono, gerava um grande volume de subprodutos indesejáveis, que inviabilizavam sua produção em grande escala. O pulo do gato foi a adoção do paládio como catalisador para esse processo, que permitiu promover a reação com grande eficiência e precisão.

No método desenvolvido pelos laureados, o paládio é usado como ‘ponto de encontro’ para os átomos de carbono, que se aproximam e ficam em posição propícia para desencadear a reação que os ligará. “A catálise permitiu que eles conseguissem realizar a síntese de forma rápida e em condições extremamente brandas, em temperaturas baixas”, explica Martin Schmal.

O paládio é usado como ‘ponto de encontro’ para os átomos de carbono

O primeiro dos laureados a investigar o uso do paládio como catalisador para a síntese de moléculas orgânicas foi Richard Heck. Inspirado no emprego desse metal por uma empresa química alemã, ele fez em laboratório ensaios que permitiram ligar cadeias cada vez maiores de átomos de carbono.

Uma etapa essencial do seu trabalho foi obtenção de estireno – unidade elementar de um polímero de grande importância industrial – a partir de duas moléculas orgânicas menores, como mostra o diagrama abaixo.

Síntese de estireno
Representação esquemática da reação pioneira que Richard Heck promoveu para o uso do paládio como catalisador da síntese de moléculas orgânicas. O paládio (representado em vermelho) facilita a ligação entre um dos átomos de carbono da molécula de olefina com outro da molécula de bromobenzeno. A presença do paládio estimula a ligação entre esses dois carbonos e resulta na formação de uma molécula de estireno, unidade fundamental do poliestireno, polímero de grande importância comercial (arte: Fundação Nobel).

Na segunda metade dos anos 1970, Ei-ichi Negishi e Akira Suzuki desenvolveram outros métodos que usavam o paládio como catalisador para a síntese de moléculas orgânicas, além de envolver também compostos de zinco e boro, respectivamente.

Interesse médico e industrial

As técnicas criadas pelos laureados são hoje amplamente adotadas em todo o mundo para a produção em grande escala de moléculas orgânicas de interesse médico e industrial, como fármacos ou componentes eletrônicos, como os OLEDs – sigla em inglês para diodos orgânicos emissores de luz.

O chamado método de Heck é hoje o mais empregado no mundo para promover ligações simples entre átomos de carbono. Ele é usado, por exemplo, na produção em escala industrial de drogas anti-inflamatórias e contra a asma.

As moléculas orgânicas, construídas a partir de átomos de carbono, são fundamentais para a vida. Não por acaso, as ligações entre esses átomos já foram o objeto de cinco prêmios Nobel no passado – o último deles foi concedido em 2005 a três pesquisadores que desenvolveram métodos catalisados por metais para promover ligações duplas entre átomos de carbono.

Da mesma forma, a variante do método desenvolvida por Negishi permitiu sintetizar em laboratório a discodermolida, substância de ação antitumoral que só era encontrada em esponjas da espécie Discodermia dissoluta, que habitam o mar do Caribe. Antes disso, não era possível produzir esse composto em escala comercial.

A produção artificial de substâncias como essa talvez seja a maior vantagem dos métodos desenvolvidos pelos laureados. “O mais interessante é que eles permitem obter moléculas que já existem na natureza, mas que nunca havia sido possível sintetizar”, resume Martin Schmal.

Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line

 

Leia mais textos no Especial Nobel 2010