Um debate essencial

“A polícia do Rio de Janeiro é a que mais mata no mundo”, afirma o cientista político Renato Lessa, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF). Os números citados por ele – cerca de 1.500 mortes por ano causadas por policiais civis e militares do estado do Rio – são sintomáticos de um paradoxo que caracteriza o Brasil de hoje.

Não bastam bons indicadores políticos para consolidar uma democracia

Para ele, o fato de direitos humanos essenciais não serem respeitados é incompatível com a maturidade política do Brasil – um país em que o sistema político tem funcionado regularmente desde o fim da ditadura. Mas não bastam bons indicadores políticos para consolidar uma democracia, afirma Lessa.

Diante desse paradoxo, é fundamental discutir a situação dos direitos humanos no país. E é isso que se fez na reunião anual da SBPC, em um debate sobre o tema promovido pelo Instituto Ciência Hoje (ICH). Lessa, que é também o diretor-presidente do ICH, falou sobre o tema ao lado da historiadora e socióloga Maria Alice Rezende de Carvalho, professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

No vídeo abaixo, Renato Lessa explica por que é importante discutir direitos humanos no Brasil hoje.

 

No Brasil, são frequentes episódios em que as forças da ordem torturam e praticam crueldade contra as classes mais desfavorecidas. “A violência contra esses segmentos da população é vista como natural”, lamenta Lessa. Para o cientista político, vigora no Brasil uma lógica da crueldade, segundo a qual não causa estranhamento que a polícia possa infligir dor ou sofrimento.

No Brasil, são frequentes casos de tortura crueldade contra classes mais desfavorecidas

Lessa citou um exemplo sintomático dessa situação – o caso dos guardas ferroviários que empurraram e chicotearam usuários de trens suburbanos no Rio de Janeiro.

Ao discutir o episódio em sua coluna na revista CH, ele disse: “É como se uma cultura de castigo seletivo estivesse inscrita em nosso DNA civilizatório, a dizer que os pobres são um contingente passível de receber castigo físico.”

Autocontenção e bem viver

Maria Alice Rezende de Carvalho fez um apanhado histórico dos principais momentos da luta pelos direitos humanos. Entre os marcos mais emblemáticos dessa batalha estão a declaração de independência do estado norte-americano da Virgínia, em 1776; a Declaração dos Direitos Humanos elaborada em 1789, durante a Revolução Francesa; e a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, logo após a Segunda Guerra Mundial.

Maria Alice Rezende de Carvalho fala sobre como evoluiu a noção de direitos humanos

 

Conquistas institucionais não surtirão qualquer efeito sem o engajamento efetivo da sociedade

“A história dos direitos humanos é a história da criação de instituições que aprofundam os valores da autocontenção, do disciplinamento e do bem viver em comum”, afirmou a socióloga.

Mas ela lembra que as conquistas institucionais na luta por esses direitos não surtirão qualquer efeito prático sem o engajamento efetivo da sociedade.

“Não adianta pensar em fórmulas mágicas de políticas públicas para conter a polícia se a crença em uma vida civilizada se apresentar arrefecida”, avalia Rezende de Carvalho. “Só a renovação dessa crença permitirá que direitos humanos sejam uma realidade no mundo globalizado.”

Bernardo Esteves
Ciência Hoje On-line

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