Um ensaio que virou clássico

“Alcançar a significação é traduzir.” Essa é a premissa de George Steiner, autor de Depois de Babel , lançado em 1975 e considerado livro de referência em questões de tradução. A obra, que nunca havia sido editada no Brasil, foi traduzida pelo lingüista Carlos Alberto Faraco e acaba de ser publicada pela Editora da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

 
A tradução para o português consumiu um ano de intenso e penoso trabalho pelo fato de o livro ter um caráter enciclopédico (é um tratado de filosofia da linguagem que discute teorias lingüísticas do século 20 e uma obra de crítica literária que lida com textos de diversas tradições literárias) e vir repleto de citações em outras línguas. A propósito, Faraco optou pela chamada tradução instrumental de algumas passagens, traduzindo-as literalmente, ‘ao pé da letra’, ou mantendo-as no idioma original. Uma das maiores dificuldades enfrentadas pelo tradutor foi encontrar saída para algumas referências culturais que estão próximas de Steiner, mas distantes de nós, brasileiros (o autor é francês, nascido em Paris, em 1929, de pais austríacos, e morou nos Estados Unidos e na Inglaterra durante boa parte de sua vida).
 
Antes de iniciar sua carreira acadêmica, Steiner foi jornalista do matutino britânico The Economist e continua ligado à imprensa, hoje como crítico literário da revista New Yorker e colaborador do The Guardian e do New York Times Review of Books . Na década de 1950 começou a trabalhar como professor em universidades norte-americanas, inglesas e da Suíça. Atualmente vive em Cambridge e é professor em Oxford, Cambridge e Harvard. Intelectual de amplos interesses, prefere definir-se não como erudito ou acadêmico, mas como “mestre de leitura” – “alguém que quer, exercitando a leitura, ensinar a ler.”
 
Depois de Babel aborda questões essenciais da tradução, como a reconstrução dos processos de significação de um texto e a inevitável e contínua tomada de decisões dos tradutores. Por isso seus temas são e sempre serão atuais. Composto de dois substanciosos prefácios à segunda e à terceira edição e de seis extensos capítulos, o livro analisa a linguagem de diversos pontos de vista: filosófico, lingüístico, literário, histórico, sem deixar de abordar o problema do misticismo relacionado com a linguagem. O próprio título da obra é uma referência ao mito bíblico da diferenciação das línguas humanas e à crença medieval de que, por existir um idioma por trás de todos os outros, um dia a unificação se dará.
 
Mas a importância maior do livro está na apresentação de uma teoria hermenêutica, tida como um marco na história da tradução. A hermenêutica, vale esclarecer, trata da interpretação do sentido das palavras. A esse respeito, Steiner destaca as fases que o tradutor deve enfrentar – e superar – para realizar sua tarefa: “confiança inicial, agressão, incorporação, reciprocidade ou restituição”. Para Steiner, a hermenêutica é a narrativa de um processo, que deriva da prática concreta da tradução.
 
Interrogado sobre a difícil – e metalingüística – tarefa de traduzir um livro sobre tradução, Faraco diz que “tradutores são leitores críticos”. Mas Depois de Babel é um livro para muitos leitores, sejam eles profissionais da área de letras ou simplesmente pessoas interessadas em questões de linguagem e literatura. A obra é considerada um caso raro de ensaio que se converteu em um clássico. E, apenas dois anos após sua publicação, deu origem à bem-sucedida série da tevê britânica As línguas dos homens .

Depois de Babel – Questões de Linguagem e Tradução
George Steiner (trad.: Carlos Alberto Faraco)
Curitiba, 2005, Editora da UFPR
Tel.: (41)3361-3380 / 3361-3381
533 páginas – R$ 70,00

Gabriela Diniz
Especial para a CH On-line/PR
12/12/2005