É um livro que conta detalhes. Não é tido a piadinhas, não traçaarquétipo de médico herói, gênio. Um gênio cheio de manias. Aocontrário, humaniza o médico, justamente por não o estereotipar. Asdoenças e os diagnósticos são descritos com calma e clareza. E o foco éo paciente.
Embora a medicina esteja se tornando algo cada vez mais presente navida moderna, esse processo continua a ser algo fundamentalmenteoculto, com frequência incompreendido e às vezes encarado comdesconfiança. Em filmes e romances, geralmente o encontramos numcomentário sagaz que separa sintomas fascinantes do início de umaterapia salvadora.
A série de TV House, a do médico idiossincrático que desvenda e cura as doenças mais misteriosas, veio à mente?
Pois é, o parágrafo acima soaria como crítica, quase que direta, aoprograma de TV, caso ele não tivesse sido escrito justamente pelaconsultora técnica do seriado: a médica e professora Lisa Sanders, colunista mensal da New York Times Magazine e autora do livro Todo paciente tem uma história para contar, que sai no Brasil pela editora Zahar.
Na obra, a autora apresenta vários casos médicos, a maioria dedoenças raras. O objetivo: mostrar como a profissão é menos cartesianado que parece. É aí que entra o que Lisa chama de “a arte dodiagnóstico”. O mundo fascinante de uma ciência que parece muitas vezesmais humana do que exata.
O médico das cavernas
O livro realmente surge como opção a quem não tem lá muita paciênciacom o médico espertinho, o Dr. House. E o mais interessante: prendetanta atenção quanto uma história bem contada. Os casos da menina quenão parava de vomitar, do homem que de um dia para o outro perdeu amemória e da moça com hemorragia interna severa funcionam como umanarrativa – um texto em que o leitor se envolve e torce para um finalfeliz (que nem sempre acontece).
Cada detalhe do procedimento de diagnóstico é contado, com os errose acertos dos médicos. Profissionais, é bom dizer, que muitas vezespassam longe de ser gênios. Bom exemplo é o caso em que a solução paraum diagnóstico difícil só vem depois que o médico faz uma simples (ehumilde) pesquisa no Google.
Mas Lisa faz questão de enfatizar a qualidade maior da profissão,uma espécie de pedra fundamental da área: a arte do diagnóstico. A horaem que o médico para de se valer da tecnologia e, qual um detetive, usado seu conhecimento e de muita conversa para desvendar a doença. É amedicina em estado bruto.
Mistério
O caráter do médico-investigador perpassa todo o livro. É um casomais difícil que o outro, uma doença menos provável que a outra. “Namedicina, a incerteza é o próprio ar que respiramos”, diz a autora.
Se o médico – que estudou anos para conquistar sua posição –depara-se com a incerteza o tempo todo, imagine o paciente. Muitasvezes, a insegurança, que já é grande quando se está passando mal,aumenta à medida que um diagnóstico preciso não é dado.
Por isso, Lisa explica que é fundamental ao médico saber construiruma história “junto com o paciente”. Uma história cientificamenteverdadeira, mas confortável para a realidade de quem está doente.
[…] A obtenção de uma boa história é um processo colaborativo.[…] O médico traz o conhecimento e a compreensão que o ajudam aordenar a história de modo que faça sentido tanto para o médico – que ausa para fazer o diagnóstico – como para o paciente – que deve entãoincorporar essa subtrama à história mais ampla de sua vida.
No fim, Todo paciente tem uma história para contar é umlivro para quem é fã da medicina, prática comparada pela autora – comrazão – à arte. É, também, uma obra para formar ‘bons pacientes’, pois,como diz Lisa, “quanto maior a compreensão do paciente sobre suadoença e o tratamento, maior é a probabilidade de que consiga fazer suaparte”.
Lisa Sanders (trad.: Diego Alfaro)
238 páginas – R$ 36,00
Rio de Janeiro, Zahar, 2010
Tel: (21) 2108-0808
Thiago Camelo
Ciência Hoje On-line