Uma brasileira que fez a diferença

Uma brasileira

Mortes infantis são eventos terríveis e, em sua maioria, evitáveis. Por isso, a mortalidade infantil é utilizada como um indicador da saúde da população de um país e de seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Sua redução faz parte das metas do milênio, compromisso da Organização das Nações Unidas (ONU) para a obtenção de uma vida mais digna para a população mundial.

A taxa de mortalidade infantil decorre de uma combinação de fatores biológicos, sociais e culturais. Ela, muitas vezes, poderia ser evitada se não fossem as falhas e a incapacidade do sistema público de saúde em atender corretamente a população.

Segundo esse raciocínio, as mudanças destinadas à redução da mortalidade infantil no Brasil dependeriam de mudanças nas políticas públicas de saúde e estariam nas mãos de políticos, muitos dos quais frequentemente despreparados e mais interessados no seu bem-estar e de seus ‘patrocinadores’ Haveria, portanto, muito pouco ou mesmo nada a se fazer para se evitar que vidas inocentes fossem ceifadas em nosso país.

Contudo, não foi o que pensou uma pediatra paranaense, viúva, que poderia apenas ter se dedicado aos seus cinco filhos, netos e aos pacientes. O nome dessa mulher que resolveu fazer a diferença era Zilda Arns Neumann.

Zilda Arns fundou e coordenou durante 25 anos a Pastoral da Criança, uma organização ligada à Igreja Católica que salvou milhões de crianças pobres da mortalidade infantil, da desnutrição e da violência em suas famílias e comunidades.

Para isso, Zilda Arns desenvolveu uma rede de colaboradores e foi capaz de difundir formas simples (mas eficazes!) de se evitar a desnutrição e a  mortalidade infantil nas famílias mais pobres. 

Zilda Arns fundou e coordenou durante 25 anos a Pastoral da Criança, que salvou milhões de criançaspobres da mortalidade infantil

A Pastoral da Criança investiu em iniciativas simples como pesar periodicamente os bebês, no aprendizado de como se fazer o soro caseiro para combater a desidratação, no ensino da importância do aleitamento materno e de como as mães deveriam cuidar de suas crianças. Além disso, a Pastoral da Criança investiu no ensino de formas para a geração de renda e alfabetização de comunidades carentes.

Muita gente conservadora da própria Igreja Católica e setores da esquerda torceram o nariz, mas depois tiveram que se render aos resultados obtidos por Zilda e seus colaboradores.

Mais de 260.000 voluntários acompanham o desenvolvimento de quase 1,8 milhão de crianças. A instituição ainda ajuda aproximadamente 94 mil gestantes em 42 mil comunidades pobres. Estas comunidades estão espalhadas por 4.066 municípios de todos os estados do país.

Portanto, um número incalculável (talvez, centenas de milhares!) de pequenos brasileiros foram salvos da morte devido ao trabalho da Pastoral da Criança e de Zilda Arns. Milhares de famílias tiveram as suas vidas transformadas para melhor.

Segundo o relatório de perspectivas da ONU para a população mundial (período 2005-2010), a mortalidade infantil está em 23,6 para cada mil crianças nascidas no Brasil. Temos ainda muito o que melhorar: o levantamento da ONU indicou que estamos ainda na 106ª posição em um total de 195 países avaliados.

A mortalidade infantil para os atendidos pela Pastoral da Criança está em torno de 14 óbitos no primeiro ano de vida para cada mil crianças nascidas vivas. Deve ser dito também que a Pastoral atua exclusivamente em regiões pobres e desassistidas, onde a média de mortalidade infantil costuma ser até o dobro da taxa nacional.

Zilda Arns, indicada três vezes para o Prêmio Nobel da Paz, faleceu na última terça- feira (12 de janeiro de 2010), em decorrência de um terremoto no Haiti, para onde havia viajado para divulgar o trabalho da Pastoral da Criança e, assim, procurar auxiliar esse país a minimizar a sua mortalidade infantil. O Haiti, onde 48,8 crianças morrem para cada mil nascidas vivas, ocupa a 136º posição na lista elaborada pela ONU.

Nesse momento de tristeza, devemos acreditar nas palavras de Dom Paulo Evaristo Arns, irmão de Zilda Arns, que afirmou que não devemos perder a esperança e devemos crer que o exemplo de cidadania e patriotismo dessa grande mulher vai servir de inspiração para que outros brasileiros possam também fazer a diferença.


Jerry Carvalho Borges
Departamento de Medicina Veterinária
Universidade Federal de Lavras