Ainda há (pouco) tempo

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) publicou ontem (02/11) a última versão do seu Quinto Relatório de Avaliação – o AR5 (sigla para Fifth Assessment Report) –, que traz o estado atual do clima no planeta.

Do ponto de vista científico, não há nenhuma novidade nessa esperada edição. Na verdade, o texto recém-publicado é uma compilação final – um grande resumo – de tudo que já foi discutido e apresentado nos três documentos divulgados pelos grupos de trabalho do IPCC desde setembro de 2013.

É por isso que nenhuma de suas predições deve causar espanto. Para os cientistas do Painel, temos pouquíssimo tempo, talvez duas décadas, para reduzir as emissões antrópicas de gases de efeito estufa a patamares próximos de zero. Do contrário, o planeta há de aquecer mais que 2 ºC até o final deste século – o que traria, segundo o IPCC, consequências nefastas para a civilização.

O documento reafirma, aliás, que já estamos a sentir na pele os efeitos do desequilíbrio climático. Eventos meteorológicos extremos, alterações na intensidade e na distribuição das chuvas, secas severas em várias regiões do planeta… São algumas das profecias climáticas bastante conhecidas para os que acompanham o trabalho do IPCC.

Sessão do IPCC
A versão final do Quinto Relatório de Avaliação do IPCC foi divulgada ontem (02/11), em Copenhague, na Dinamarca. (foto: Giselle Garcia/ Agência Brasil)

O AR5 foi apresentado ao público em Copenhague, na Dinamarca. Durante o evento, a comunidade científica enfatizou que ainda é possível parar as engrenagens e redirecionar nosso crescimento econômico para um caminho mais virtuoso – isto é, baseado em modelos de desenvolvimento mais responsáveis do ponto de vista de emissões de gases de efeito estufa. “Ainda há tempo, mas muito pouco tempo”, disse à imprensa Rajendra Pachauri, secretário do IPCC.

Relatório mais consistente

Para o climatologista José Marengo, membro do IPCC e pesquisador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), o novo relatório é muito consistente. “As projeções estão mais refinadas do que estavam no relatório anterior”, comenta ele, referindo-se ao AR4, publicado em 2007.

“Por exemplo: modelos climatológicos anteriores sugeriam que a Amazônia poderia se tornar uma savana; mas essa hipótese está aos poucos sendo descartada.” Segundo Marengo, os modelos já não estão mais tão radicais. Outra evolução: o AR4 não trazia informações relevantes sobre impactos, vulnerabilidade e adaptações frente a desastres naturais. Já o AR5 dá conta de explanar esses tópicos com grau satisfatório de detalhamento.

Marengo: “As projeções estão mais refinadas do que estavam no relatório anterior”

Devem tirar o cavalo da chuva, porém, aqueles que esperam encontrar, no AR5, informações sobre a dramática seca que vive hoje o estado de São Paulo. Esse episódio não é analisado no relatório, dado que ainda é um evento recente na escala de tempo com a qual trabalham os climatologistas e aconteceu após o período em que se baseiam os estudos do AR5 (maio de 2013).

Da mesma forma, informações climáticas detalhadas acerca do ano de 2014 não estão no escopo dessa última análise. “Alguns já chegaram a dizer, por exemplo, que 2014 pode se tornar o ano mais quente da história recente; mas essa discussão também não está contemplada no relatório”, diz Marengo.

Outro ponto que ainda intriga alguns cientistas é a chamada atribuição: que parcela da mudança climática deve ser atribuída a causas naturais e que parcela deve ser atribuída a atividades humanas? “Já há consenso de que as ações antrópicas interferem, sim, no clima da Terra; mas é difícil estimar exatamente quanto”, ressalva Marengo.

IPCC em perspectiva

Breve contexto: o IPCC se organiza em três grupos distintos e independentes. O grupo de Trabalho I (WGI) trata das bases físicas do sistema climático. O relatório dessa primeira fase foi publicado em setembro de 2013. Já o Grupo de Trabalho II (WGII) se dedica ao entendimento dos impactos que a variabilidade climática deve exercer sobre a natureza e a sociedade. Os resultados dessas análises foram divulgados em março deste ano. Em seguida, temos o Grupo de Trabalho III (WGIII), que, dedicado ao estudo de estratégias de mitigação das alterações do clima, divulgou seu relatório no último mês de abril.

Com os três relatórios em mãos – e com eventuais documentos complementares que se provem úteis à análise –, os cientistas do IPCC finalmente publicam uma compilação final das conclusões dos três grupos de trabalho que compõem a entidade. Esse resumo é o que se chama de relatório-síntese. O método tem sido usado em todos os relatórios de avaliação publicados pelo IPCC.

Espera-se que o novo relatório divulgado embase discussões sobre metas de redução de emissões durante a 20ª Conferência do Clima das Nações Unidas (COP-20), prevista para dezembro deste ano, em Lima, no Peru. Adiante, nova rodada de negociações está prevista para a 21ª Conferência do Clima das Nações Unidas (COP-21), que acontecerá em 2015 em Paris, na França.

Henrique Kugler
Ciência Hoje On-line