O ano de 2011 chegou ao fim e o novo Código Florestal, em tramitação na Câmara dos Deputados há quase 12 anos, não teve sua versão final decidida. Já aprovado pelo Senado, o documento, que foi avaliado pelo menos sete vezes só este ano, deve seguir para votação final dos deputados depois do recesso parlamentar, no dia 5 de março de 2012.
Durante todo o ano, as mudanças feitas no documento causaram polêmica e desagradaram tanto ambientalistas quanto ruralistas. A comunidade científica também manifestou sua desaprovação e, em abril, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) apresentaram à Câmara um relatório apontando as inconsistências científicas da nova legislação.
Representantes das instituições pediram o adiamento da votação do projeto por dois anos, período que deveria ser usado para avaliar, à luz da ciência, os efeitos que o novo código provocaria no meio ambiente e na agricultura. O pedido foi negado e o documento, aprovado pelos deputados em maio.
Entre as medidas aprovadas na Câmara que mais desagradaram a comunidade científica e os ambientalistas estão: a desobrigação de pequenos produtores rurais de reconstituir a reserva legal desmatada, a anistia concedida a todos que tiverem consolidado atividades agrícolas e de ecoturismo em áreas de preservação permanente (APPs) antes de 2008 e a possibilidade de estados e municípios estipularem regras para produção nessas áreas.
Diante desse cenário, a SBPC, que tardou a se manifestar sobre o Código Florestal, entrou com um pedido no Senado para que a Comissão de Ciência e Tecnologia (CTT) participasse da avaliação do documento dos deputados.
Em agosto, o pedido foi aceito e representantes da SBPC participaram de audiências públicas no Senado para debater o código. No entanto, das 83 emendas propostas pela comissão, foi aprovada apenas uma, que estabeleceu que as propriedades rurais irregulares em APPs não precisarão recuperar integralmente a área desmatada, mas somente o que for estabelecido pelo Programa de Regulamentação Ambiental, a ser criado quando a lei entrar em vigor.
“O nosso grupo de trabalho teve um papel muito importante na adição da CCT nas discussões do Código Florestal”, diz o secretário da SBPC, José Antônio Aleixo. “Estudamos profundamente o código e colocamos nossas considerações, fundamentadas na ciência e tecnologia, nas mãos de todos os senadores. Se não as consideraram, a responsabilidade passa a ser deles.”
No Senado, o texto dos deputados foi modificado em dezembro e trouxe medidas de impacto para o meio ambiente. O novo texto passou a permitir a exploração de 10% dos apicuns (parte dos manguezais) na Amazônia e 35% nos demais biomas para atividades como a criação de camarão. A proteção dos manguezais era uma das preocupações expressas pela SBPC em documento enviado ao Senado no meio do ano.
O texto do Senado também estabeleceu que metade da reserva legal desmatada por grandes proprietários rurais poderia ser replantada com espécies exóticas e incluiu um capítulo sugerindo a criação de mecanismos de incentivo fiscal para auxiliar os proprietários irregulares inscritos no Programa de Regulamentação Ambiental a recompor as áreas desflorestadas.
Prós, contras e perspectivas
Ainda assim, os integrantes do grupo de trabalho da SBPC acreditam que o texto do Senado é melhor que o da Câmara. “Houve melhoria, não podemos negar que alguns aspectos modificados representaram avanços; foram tímidos, mas pelo menos foram feitos”, afirma o biólogo Ricardo Ribeiro Rodrigues, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (USP).
Uma das melhorias teria sido a criação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), que tem por finalidade integrar as informações ambientais de todas as propriedades rurais. Depois do código em vigor, os proprietários rurais teriam um ano para se cadastrar no CAR e, passados cinco anos, apenas os cadastrados sem irregularidades poderiam receber créditos agrícolas de instituições financeiras oficiais.
Outro ponto de avanço seria o pagamento por serviços ambientais para incentivar a recomposição de APPs e reservas legais. Proprietários que replantassem e promovessem a manutenção de florestas ganhariam uma compensação financeira.
No ano que vem, os deputados poderão aceitar ou não, total ou parcialmente, as mudanças propostas pelos senadores e o novo código seguirá para sanção ou veto da presidente Dilma Roussef. Representantes da comunidade científica temem que as melhorias do Senado sejam vetadas na Câmara.
“Há uma tendência muito forte para que os avanços conseguidos no Senado sejam anulados pelo discurso de alguns deputados ruralistas de influência”, comenta Rodrigues.
A desconfiança do biólogo é reforçada pela recente mudança de relator do projeto do código, que passou do deputado federal Aldo Rebelo para o também deputado Paulo Piau, autor da emenda que daria aos estados e municípios poder de decisão sobre as APPs em casos de utilidade pública.
“O relator escolhido é um deputado diretamente ligado ao agronegócio; sinceramente, não acredito que o documento que saiu do Senado vá ser aprovado na Câmara sem modificações”, diz Aleixo. “Só esperamos que não sejam mudanças significativas e, se forem, que sejam vetadas pela presidente Dilma.”
Só nos resta esperar 2012 para ver o fim desse impasse.
Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line