Aliado contra a dislexia

Um programa de computador desenvolvido na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) poderá auxiliar na aprendizagem de crianças e adolescentes disléxicos. Por meio de atividades de manipulação da linguagem oral que estimulam a pronúncia correta das palavras e as memórias visual e auditiva, os portadores de dislexia poderão melhorar seu desempenho escolar.

A dislexia é um transtorno neurofuncional genético e hereditário que se caracteriza pela dificuldade no processo de decodificação das letras. Essa condição pode comprometer a leitura, a escrita e a fala e provocar uma defasagem inicial de aprendizado.

Segundo a fonoaudióloga Cíntia Alves Salgado Azoni, coordenadora do projeto, os exercícios são muito importantes para diminuir as dificuldades da criança com dislexia. “A dislexia acompanha o indivíduo por toda a vida e, aos poucos, a pessoa vai criando estratégias para se adaptar ao distúrbio”, diz, acrescentando que o software, batizado de Programa de Remediação Fonológica (Prefon), ajuda a desenvolver esses artifícios.

O programa possui um menu com 11 atividades, que podem ser realizadas aleatoriamente. Dentre elas, há jogos de identificação de fonemas (sons) e de palavras que rimam umas com as outras e de construção de vocábulos que tenham sílabas parecidas.

Programa de Remediação Fonológica
O Programa de Remediação Fonológica contém atividades que ajudam jovens disléxicos a falar, ler e escrever melhor. (imagem: reprodução)

Para verificar a eficácia dos exercícios na aprendizagem de disléxicos, foi realizada uma pesquisa com 62 crianças e jovens de 9 a 14 anos – metade deles com o distúrbio e a outra metade sem dificuldades de leitura e escrita. O grupo com dislexia foi dividido em dois: um com 14 indivíduos que não realizaram as atividades e outro com 17 que fizeram o treinamento.

O programa era usado uma vez por semana. Além disso, os exercícios incluíam leitura de livro em voz alta, elaboração de uma redação explicando o que se compreendeu da história lida e produção de um texto sobre um tema específico. Ao todo, cada voluntário passou por 20 sessões de 45 minutos cada: oito para prática com o software, seis para leitura e as últimas seis para leitura e escrita.

Provas iguais foram aplicadas aos usuários antes e depois dos exercícios. Os voluntários disléxicos que não realizaram as atividades e os que não têm o distúrbio também fizeram as provas em dois momentos distintos, para que os pesquisadores pudessem comparar seu desempenho com o dos portadores de dislexia que passaram pelo treinamento. Os exames avaliaram a pronúncia correta das sílabas e a consciência dos fonemas de uma palavra, a velocidade e o tempo de leitura, a fluência e os erros ortográficos.

Melhora no desempenho

Segundo Salgado Azoni, os estudantes que usaram o programa apresentaram melhora em todos os quesitos avaliados. “Houve diminuição no tempo de nomeação de cores, letras, dígitos e objetos – com destaque para as letras, que foram lidas em 41,59 segundos na primeira prova e em 29,65 segundos na segunda prova”, afirma. Aqueles que não têm dislexia levaram 23,26 segundos nessa tarefa, que consistia na nomeação de 50 letras, distribuídas em cinco colunas com 10 letras cada. Nas provas de ditado e redação, o número de erros ortográficos diminuiu de 86,94 para 53,71 entre os voluntários que passaram pelo treinamento.

Os estudantes que usaram o programa apresentaram melhora em todos os quesitos avaliados

O desempenho das crianças e dos jovens disléxicos que não fizeram as atividades foi em geral um pouco pior. No caso do tempo de nomeação de letras, na segunda prova eles levaram 33,29 segundos, 3,64 segundos a mais que aqueles que utilizaram o software. Já a média de erros ortográficos no ditado e na redação foi de 55,86 incorreções, 2,15 a mais que as dos estudantes que realizaram os exercícios.

Por outro lado, em relação à velocidade de leitura oral, o desempenho dos estudantes disléxicos que não passaram pelo treinamento foi melhor: eles leram 52 palavras por minuto, 4,65 vocábulos a mais que os lidos pelos usuários do software. A pesquisadora ressalta, no entanto, que houve uma grande evolução nesse quesito entre os que praticaram os exercícios. “Foram 32,76 palavras lidas por minuto no primeiro teste e, no segundo, esse número passou para 47,35.” A velocidade de leitura dos que não têm dislexia é de 100,81 palavras por minuto.

O programa está sendo usado desde março por quatro alunos que participam de um projeto de inclusão digital coordenado por Salgado Azoni no Centro de Investigação da Atenção e Aprendizagem (Ciapre). “Agora a nossa intenção é comercializar o software e adaptá-lo para tablets”, finaliza a pesquisadora.

Fernanda Braune
Especial para a CH On-line