Amazônia em pauta

Uma pergunta capciosa vem incomodando muita gente. Qual é, afinal, o balanço de carbono na floresta amazônica? Em outras palavras: será que a mata absorve, como se diz, todo o gás carbônico (CO2) que produz? Ou será que ela produz mais do que pode absorver?

Especulações diversas já haviam sido ensaiadas. Mas, em artigo publicado na última edição da revista Nature, uma resposta inédita chamou a atenção da comunidade científica. “Descobrimos que, na verdade, o balanço de carbono na Amazônia depende muito do volume de chuvas na região”, conta a química Luciana Gatti, líder do estudo descrito no artigo. Gatti integra os quadros do Laboratório de Química Atmosférica do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), em São Paulo (SP).

“De maneira geral, observamos que a floresta absorve carbono nas estações chuvosas; e emite nas estações secas”, conta Gatti. “E o balanço entre emissão e absorção é determinado pelas características climáticas de cada ano.”

Em 2010, 480 milhões de toneladas de carbono foram lançadas à atmosfera. Foi um dos piores anos da última década

Os pesquisadores descobriram que a seca de 2010 foi tão severa que comprometeu a própria capacidade de a floresta absorver carbono. “Naquele ano, toda a queima de biomassa na Amazônia foi emitida à atmosfera”, afirma a pesquisadora. “E infelizmente, em termos de queimadas, 2010 foi um dos piores anos da última década.” Resultado: 480 milhões de toneladas de carbono foram lançadas à atmosfera.

Em 2011, por outro lado, foram registrados índices pluviométricos acima da média. “Isso fez com que a vegetação conseguisse não apenas absorver toda a emissão oriunda de processos naturais, como também quase toda a emissão resultante de atividades humanas, incluindo as queimadas”, analisa Gatti. Em 2011, foram lançadas em torno de 50 a 60 milhões de toneladas de carbono à atmosfera.

“São informações inéditas”, segundo a pesquisadora. “Não sabíamos se a Amazônia era uma fonte ou um sumidouro de carbono.” Agora sabemos que a resposta depende das condições climáticas de cada ano.

“Ainda é cedo para concluir, entretanto, qual é o efeito de cada condição climática sobre o balanço de carbono; mas já temos uma indicação de que ele pode ser alterado mais pela disponibilidade de água do que pelo próprio aumento da temperatura.”

Importante: as conclusões da pesquisa não resultam de modelagens matemáticas. Foram medições realizadas em campo. A bordo de um pequeno avião, os pesquisadores coletaram dados em altitudes entre 300 m e 4,4 km. “Foram quatro locais de amostragem, formando um grande quadrante e abrangendo toda a bacia amazônica”, conta Gatti. Ao todo, a equipe coletou 160 perfis atmosféricos diferentes, contemplando os anos de 2010 e 2011.

Gatti: “Apesar de esclarecedoras, as informações até agora levantadas são insuficientes, pois não representam um comportamento médio da Amazônia”

O balanço climático da Amazônia sempre despertou muito interesse por parte dos estudiosos. Até o momento, pesquisas que ambicionavam elucidar a questão eram acometidas por dois impasses metodológicos: ou analisavam vastas áreas por um curto período de tempo (em geral, de 15 dias a dois meses); ou analisavam, durante períodos longos (vários anos), áreas muito restritas. A boa sacada da equipe de Gatti foi aliar o melhor dos dois mundos. “Conseguimos assim um resultado que representa toda a bacia amazônica.”

Além dos dados referentes a 2010 e 2011 – já compilados no artigo recém-publicado – a equipe analisa no momento números de 2012 e 2013. “Apesar de esclarecedoras, as informações até agora levantadas são insuficientes, pois não representam um comportamento médio da Amazônia”, pondera Gatti. É que 2010 foi um ano seco demais; e 2011, muito chuvoso; 2012 e 2013 também apresentaram assimetrias que impedem conclusões mais generalizantes. “Por isso, nosso objetivo é completar uma década de estudo”, revela a química, que já se movimenta para angariar fundos para a empreitada de longo prazo.

 

Ilusão de ótica?

Na mesma edição da Nature, outro artigo também coloca a Amazônia no centro das atenções. A equipe do físico Douglas Morton, da agência espacial norte-americana (Nasa), percebeu que algumas imagens de satélite haviam condicionado interpretações errôneas sobre a vegetação amazônica em certas épocas do ano.

floresta
Imagem da floresta amazônica captada pelo satélite Ikonos. (imagem: Douglas Morton/Michael Palace/Satellite Imaging Corp)

Explica-se. Em 2007, um artigo publicado na Science reportava um inesperado ‘verdejamento’ da floresta durante a seca de 2005. “Com base nesses resultados, os autores sugeriam que a floresta amazônica poderia ser muito mais resistente às anomalias climáticas do que se imaginava”, contextualiza o geofísico Lênio Galvão, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). “A pesquisa foi motivo de grande controvérsia na comunidade científica.” Como poderia a floresta estar mais verde diante daquela seca, que, naquele ano, havia sido particularmente severa?

É aí que entra o estudo de Morton. No artigo desta semana, ele esclarece que esse ‘verdejamento’ durante a estação seca não sinalizava mudanças biofísicas na vegetação; mas era resultado de um efeito ótico produzido pelas imagens de satélite. 

O efeito pode ser entendido como um tipo de ruído – que não está relacionado à atividade fotossintética da floresta, mas às variáveis geométricas de captação das imagens

“Esse fenômeno foi causado por variações no ângulo de iluminação solar e no ângulo de observação do satélite Modis/Terra, responsável pela captação das imagens que geraram a controvérsia”, explica Galvão. Segundo o pesquisador do Inpe, esse efeito pode ser entendido como um tipo de ruído – que não está relacionado à atividade fotossintética da floresta, mas às variáveis geométricas de captação das imagens.

Os resultados publicados nesta edição da Nature são concordantes com pesquisas realizadas anteriormente no Inpe. Após analisar imagens captadas por três diferentes satélites da Nasa e fotografias aéreas produzidas por uma aeronave, Galvão e sua equipe também concluíram que as causas do fenômeno estavam relacionadas ao ângulo de observação do satélite, ao ângulo de iluminação solar e à quantidade de sombras vistas pelo sensor.

“E os resultados atestam os fatos que foram verificados em campo”, disse Morton à Ciência Hoje On-line. Pois, no período estudado, a floresta não estava mais verde coisa nenhuma. Pelo contrario: a seca de 2005 foi palco de um significativo aumento na taxa de mortalidade das árvores do ecossistema amazônico.

 

Henrique Kugler 
Ciência Hoje On-line

 

Este texto foi atualizado para incluir a seguinte alteração:

Diferentemente do que informou a primeira versão desta reportagem, em 2011 foram lançadas para a atmosfera entre 50 e 60 milhões de toneladas de carbono, e não 6 milhões, como tinha informado antes a pesquisadora. (05/02/2014)