Animais em prol da Amazônia

Se a conservação da fauna depende da preservação de áreas vegetais, essa relação também é recíproca. Um estudo verificou que mamíferos de médio e grande porte da Amazônia podem desempenhar papel ecológico essencial na recuperação de áreas desmatadas. Por meio de seus hábitos alimentares, como o consumo de plantas e a dispersão de sementes, esses animais ajudam a recuperar clareiras artificiais abertas para a exploração de petróleo e gás na região.

A constatação foi feita pela bióloga Fernanda Santos, aluna do Programa de Pós-Graduação em Zoologia mantido pelo Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) em parceria com a Universidade Federal do Pará (UFPA).

Na pesquisa, que fez parte de seu mestrado, a bióloga monitorou 20 clareiras na região do rio Urucu, localizada no município de Coari, na porção oeste da Amazônia brasileira, a cerca de 400 km de Manaus. Nessa área está situada a Base Operacional Geólogo Pedro de Moura (ou Base Petrolífera de Urucu), mantida pela Petrobras para prospecção e transporte de petróleo e gás natural.

Clareira monitorada para acompanhar recuperação vegetal promovida por presença de mamíferos
Seis das vinte clareiras monitoradas se encontravam em processo de regeneração avançado. Com gramíneas, herbáceas e arbustos lenhosos de até 1,5 m de altura, nessas clareiras foi observado maior número de animais, provavelmente devido à maior oferta de alimento (foto: Fernanda Santos e equipe).

A primeira parte do trabalho consistiu em um levantamento das espécies de mamíferos de médio e grande porte que habitam a região. Para isso, foram realizadas quatro expedições à floresta, cada uma com duração aproximada de 14 dias, ao longo de 2008. Quatro trilhas retilíneas de 3 km de extensão foram percorridas duas vezes por dia, de manhã e à tarde, tanto no período chuvoso (novembro a abril) como no seco (maio a outubro).

40 espécies foram registradas, cinco delas na categoria vulnerável da lista brasileira de espécies ameaçadas

Além dos registros dos animais, foram levados em conta vestígios como carcaças, fezes e pegadas. Ao todo, 40 espécies foram registradas, sendo que cinco delas – tamanduá-bandeira, tatu-canastra, gato-maracajá, onça-pintada e ariranha – figuram na categoria vulnerável da lista brasileira de espécies ameaçadas de extinção elaborada pelo Ministério do Meio Ambiente em 2003. Vinte armadilhas fotográficas espalhadas pela mata também foram utilizadas para monitorar a presença os animais.

O papel dos herbívoros

Na segunda etapa, o estudo investigou a participação dos mamíferos na recuperação de áreas desmatadas. Vinte clareiras, cada uma com área entre 0,3 e 0,6 hectare, foram monitoradas por meio de armadilhas fotográficas e de observações diretas. Todas elas já se encontravam em processo de regeneração, com a presença de algumas espécies vegetais sucessoras (que surgem após o desmatamento).

Oito espécies – onça-pintada, anta, cotia, sagui, paca, tatu, jaguatirica e veado-vermelho – foram flagradas visitando as clareiras. Algumas se alimentavam, outras eliminavam fezes ou apenas atravessavam os campos devastados. Os visitantes mais frequentes eram herbívoros-frugívoros (alimentavam-se de vegetais e frutos).

Os visitantes mais frequentes das clareiras eram animais que se alimentavam de vegetais e frutos

“Só o fato de esses animais visitarem as clareiras já é um indício de que podem contribuir de alguma forma para a regeneração das mesmas”, explica a orientadora do estudo, a mastozoóloga Ana Cristina Mendes de Oliveira, da UFPA.

A pesquisa concluiu que as oito espécies de mamíferos podem exercer papel importante na recuperação das clareiras por meio de seus hábitos alimentares herbívoros ou da dispersão de frutos e sementes. Ao se alimentarem de plantas, os animais ajudam no controle de espécies pioneiras dominantes, como gramíneas, por exemplo, que tomam conta do terreno e impedem o desenvolvimento de outras.

Já os mamíferos frugívoros, como os primatas, podem participar no transporte de frutos e sementes para o interior das clareiras. Desta forma, eles contribuem para a distribuição espacial e a diversidade de espécies vegetais nas áreas em recuperação. A mesma importância é atribuída à eliminação no solo de fezes contendo restos alimentares.

Cotia contribui para regeneração de campos devastados
A cotia (‘Dasyprocta fuliginosa’) foi a visitante mais frequente das clareiras depois da anta-brasileira. O roedor é um dos responsáveis pela dispersão de frutos e sementes nas bordas e no interior dos campos devastados (foto: Fernanda Santos e equipe).

Segundo Ana Cristina Oliveira, o desflorestamento para exploração de petróleo e gás na região do rio Urucu não representa grande ameaça a mamíferos de médio e grande porte porque as clareiras são relativamente pequenas. “Esses animais utilizam grandes espaços como área de vida e a matriz de floresta onde eles vivem está bastante conservada”, argumenta.

A mastozoóloga também ressalta que as espécies apresentam diferentes graus de tolerância a ambientes degradados. “Temos observado em outros sítios na Amazônia que suçuarana e jaguatirica, por exemplo, mesmo sendo carnívoros de grande porte, ainda toleram certo grau de degradação”, diz.

O estudo deve abrir caminho para novas pesquisas que investiguem o possível impacto sobre o desflorestamento de animais que habitam a floresta, mas que não foram observados visitando as clareiras.

Camilla Muniz
Ciência Hoje On-line