Apologia ao esquecimento

 

Quem nunca desejou ter uma memória de elefante? Mas você já pensou nas conseqüências disso? O turbilhão de recordações seria possivelmente um inferno e impediria qualquer outra operação cerebral. Para evitar que naufraguemos em nossas lembranças, dispomos da dádiva do esquecimento — que o neurocientista Iván Izquierdo considera o aspecto mais notável da memória.

null Argentino naturalizado brasileiro e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Izquierdo acaba de lançar o livro A arte de esquecer , que destrincha os mecanismos básicos da memória e do esquecimento. Nós somos o que lembramos, explica o neurocientista, mas só recordamos porque somos capazes de esquecer.

Para esclarecer como e por que esquecemos ou precisamos esquecer, Izquierdo nos explica quais são os principais tipos de memória e as áreas cerebrais por elas responsáveis: a de trabalho[1], que usamos pra compreender a realidade ao redor e evocar outros tipos de memória; a de curta duração, que dura poucas horas, o suficiente para que se possa formar o terceiro tipo — a memória de longa duração, que pode permanecer por dias, anos e décadas.

Izquierdo então apresenta ao leitor as quatro formas básicas de esquecimento. “Duas delas consistem em tornar as memórias menos acessíveis, mas em geral sem perdê-las por completo: a extinção e a repressão”, explica. “As outras duas consistem em perda reais de informação; uma delas por bloqueio de sua aquisição, e a outra por deterioração e perda de informação, o esquecimento propriamente dito.”

Em cada ponto, o autor cita casos cotidianos para exemplicar como funciona cada mecanismo. Ele explica ainda o papel de um fenômeno denominado dependência de estado na relação lembrança x esquecimento: toda memória é adquirida em um certo estado emocional. “Se ouvir alguém gritar o número 33 enquanto estou caindo num precipício, é bem provável que, caso sobreviva, lembre por muito tempo esse número”, ressalta.

Izquierdo enumera as falhas que podem ocorrer no funcionamento desses mecanismos e esclarece os vários tipos de doenças decorrentes disso, como a esquizofrenia, o mal de Alzheimer e a amnésia. Ele trata também do outro lado da moeda — o melhor modo de preservar e manter afiada a nossa memória. “Não há exercício melhor para a memória do que a leitura”, recomenda. “Ao ler, colocamos em atividade a memória verbal, visual, imagens e até a memória motora (as cordas vocais são ativadas pela evocação das palavras).”

A obra é escrita de maneira informal, como uma conversa com o leitor. Com linguagem simples e didática e alguns diagramas ilustrativos, Izquierdo apresenta os conceitos científicos por trás dos mecanismos cerebrais da memória e do esquecimento e sugere obras quem quiser se aprofundar em determinados temas.

Ao final da leitura o leitor compreenderá que esquecemos para poder pensar, para não enlouquecer e poder conviver e sobreviver. “Não há fórmulas para a felicidade”, diz Izquierdo. “Talvez haja para o bem-estar; e a arte de esquecer , bem praticada, é uma delas.”

A arte de esquecer – cérebro,
memória e esquecimento
Iván Izquierdo
Rio de Janeiro, 2004, Vieira e Lent
Fone: (21) 2292-8918
116 páginas – R$ 29,00

Renata Moehlecke
Ciência Hoje On-line
17/09/04