Aquecimento global ameaça mata atlântica

 

Paisagem de mata atlântica no Parque Estadual de Vila Velha, a 20 km de Ponta Grossa (PR). O aquecimento global pode fazer com que a vegetação típica da mata atlântica do Sudeste se desloque para o Sul (foto: Ângelo Leithold).

Vai sobrar para a mata atlântica: os danos causados pelo aumento da temperatura do planeta também irão alcançar um dos mais ameaçados biomas brasileiros, como mostra um estudo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). As mudanças climáticas podem reduzir à metade as áreas de potencial ocorrência de 38 espécies da flora nativa do bioma. Além disso, é possível que florestas que hoje ocupam a região Sudeste do Brasil se desloquem para o Sul, onde essa vegetação encontraria novas condições propícias para o seu desenvolvimento.

Esse é o quadro traçado pelo biólogo Alexandre Colombo em sua dissertação de mestrado, apresentada ao Instituto de Biologia da Unicamp. A partir do cruzamento de informações dos mapas confeccionados em 2001 pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) com dados geográficos atuais sobre a distribuição das 38 espécies que, juntas, caracterizam a vegetação típica da mata atlântica, ele elaborou três cenários distintos para o bioma: o atual, um com previsões mais otimistas e outro com perspectivas mais pessimistas.

No quadro atual, o que se percebe é a contínua diminuição da mata atlântica, devido a fatores como o rápido crescimento das cidades, o avanço das práticas agrícolas e o extrativismo sem controle. Restam hoje apenas 7,3% de sua vegetação nativa. “Atualmente, a mata atlântica sofre de problemas muito graves e o aquecimento global só viria a complicar ainda mais a situação”, alerta o pesquisador.

Para o futuro, as previsões otimistas são de que a temperatura do planeta suba aproximadamente 2°C, o que provocaria redução de até 25% da mata atual. Em um cenário pessimista, o aumento poderia atingir 4°C e a diminuição da floresta chegaria a 50%. “Deve-se ter em mente que esse aumento gerado pelo aquecimento global afeta substancialmente o regime de chuvas que mantém biomas tropicais como a mata atlântica”, explica Colombo.

A partir de mapas com previsões de mudanças climáticas e dados sobre a distribuição atual da mata atlântica, o biólogo Alexandre Colombo projetou três cenários para o bioma: o atual (A), um otimista (B) e um pessimista (C). A integridade da floresta varia de 80% (amarelo) a 100% (vermelho) da biodiversidade. Clique no mapa para ampliá-lo.  

Sobre o deslocamento da flora típica da mata atlântica entre regiões do país, ele esclarece que isso levaria milhões de anos para ocorrer, ainda que algumas espécies já sejam encontradas no Sul. A transferência efetiva dependeria de diversos fatores, como o tempo que essa vegetação leva para gerar frutos e a ação de agentes polinizadores e dispersores.

Essa mudança poderá ser ainda mais difícil, se for considerada a distribuição atual da mata atlântica, bastante fragmentada e com problemas de conectividade entre as áreas. Para permitir que essas espécies encontrem novas áreas adequadas a sua sobrevivência e garantam, assim, a perpetuação do bioma, Colombo propõe a criação de corredores ecológicos entre esses fragmentos e o reflorestamento de áreas estratégicas, também apontadas em sua pesquisa.

Mudanças locais, conseqüências nacionais
Bruscas alterações na mata atlântica – como as que já ocorrem hoje – afetarão a vida de todos os brasileiros, e não apenas daqueles que vivem em suas proximidades. Isso é possível porque praticamente todos os biomas do Brasil estão relacionados. Existem, inclusive, espécies que transitam por dois biomas diferentes – a mata atlântica e o cerrado, por exemplo – durante seu ciclo de vida.

“A redução dos recursos hídricos, mudanças no regime de chuvas e perturbações nos microclimas são algumas das graves conseqüências que a destruição contínua da mata atlântica pode acarretar para todos os biomas, em especial os frágeis, como o Pantanal”, enumera Colombo. “Isso sem mencionar os prejuízos à biodiversidade, o comprometimento da fertilização do solo, o aumento das pragas agrícolas e a diminuição da qualidade do ar”, complementa.

Com a pesquisa, o biólogo espera incentivar outros trabalhos na área e chamar a atenção da comunidade e da imprensa para o estado de degradação em que se encontra a mata atlântica. Ele acredita que a conscientização popular, apoiada pela mídia, promoverá uma mudança nos hábitos de consumo que geram impactos sobre a mata atlântica e incentivará a cobrança por mais rigor das autoridades na fiscalização de unidades de conservação.   

Andressa Spata
Ciência Hoje On-line
12/02/2008