Aspirina pode combater mal de Chagas

 

Um dos medicamentos mais disseminados pelo planeta, o ácido acetilsalicílico, conhecido popularmente como aspirina, pode ajudar no tratamento da doença de Chagas. Pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) descobriram que, em camundongos, a substância é capaz de bloquear a reprodução do protozoário causador do mal, o Trypanosoma cruzi . O resultado do trabalho, iniciado em 1991, recebeu o prêmio “International Aspirin Award 2000”, concedido anualmente pela multinacional alemã Bayer, principal fabricante da aspirina.

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Molécula do ácido acetilsalicílico: as esferas cinzentas
correspondem a átomos de carbono; as brancas, a hidrogênio; as vermelhas, a oxigênio

 

Segundo Marcela Lopes, pesquisadora da UFRJ que coordena a pesquisa, o objetivo inicial não era desenvolver novas terapias, mas entender o papel do sistema imunológico no combate à infecção. Descobriu-se que o T. cruzi , no interior do organismo hospedeiro, invade células muito importantes do sistema imunológico, os macrófagos, e provoca a apoptose (uma espécie de suicídio celular programado) das células vizinhas. O papel dos macrófagos é quase o de um “lixeiro”: eles eliminam os restos das células mortas. Nesse processo, ocorre uma série de reações químicas que dão origem a uma substância chamada putrescina, necessária para o crescimento e reprodução do protozoário. Foi constatado que o ácido acetilsalicílico é capaz de bloquear essas reações e, conseqüentemente, impedir a multiplicação do parasita.

No entanto, os pesquisadores concordam que seria prematura a consagração da aspirina como cura para o mal de Chagas. Os resultados foram obtidos com camundongos de laboratório que estavam apenas na primeira semana da infecção. Não se sabe se o medicamento funcionará em estágios mais avançados ou em pessoas. “Temos ainda que fazer muitos estudos em cobaias para podermos pensar em experimentar o tratamento em humanos”, afirma George dos Reis, orientador de Marcela Lopes. “Acredito que nossas descobertas sobre o mecanismo de multiplicação do T. cruzi vão ajudar a encontrar mais soluções terapêuticas para a doença de Chagas”, completa Marcela. “Se a aspirina será ou não útil, é ainda muito cedo para dizer.”

O mal de Chagas é uma das endemias que mais fazem vítimas na América Latina. Segundo dados recentes, há 20 milhões de pessoas infectadas no continente, 8 milhões apenas no Brasil. O uso de inseticida contra o barbeiro vetor da moléstia ainda é o principal meio de combatê-la nas áreas mais críticas. No entanto, já existem drogas capazes de tratá-la. O benzonidazol, a mais conhecida delas, é extremamente tóxico e pode causar câncer.

Leonardo Cosendey
Ciência Hoje/RJ
14/08/00