Até que os Andes os separem

Pesquisadores brasileiros acabam de descrever a quarta espécie de aranha do gênero Ericaella , a E. florezi , e verificaram, através de estudos filogenéticos, que ela e suas três “primas” – todas encontradas no norte da América do Sul e no Panamá – tiveram um ancestral comum, cujas populações foram provavelmente separadas pelo soerguimento da cordilheira dos Andes.

Encontrada em território colombiano, a Ericaella florezi  foi descrita por pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi e do Instituto Butantan

A formação dessa cadeia montanhosa, cerca de 12 milhões de anos atrás, separou populações de diversas espécies animais e vegetais existentes na América do Sul. Esses organismos passaram, então, a evoluir e se diferenciar isoladamente em cada lado da cordilheira, em um processo evolutivo que os cientistas chamam de especiação. Segundo a equipe do aracnólogo Alexandre Bonaldo, do Museu Paraense Emílio Goeldi, responsável pela descrição, foi esse o caso das aranhas do gênero Ericaella .

 
Essas aranhas se caracterizam por pernas delgadas, muito longas em relação ao corpo, e uma densa pigmentação dorsal. São, em geral, noturnas, não constroem teias e vivem em refúgios em meio à folhagem. A Ericaella  florezi foi encontrada em território colombiano, onde o gênero nunca havia sido observado. Os espécimes foram cedidos pela Universidade Nacional da Colômbia e, por isso, a espécie foi batizada em homenagem ao aracnólogo Eduardo Florez, curador da coleção e responsável pelo empréstimo. A descrição da nova espécie e da hipótese do ancestral comum foram publicadas na revista científica neozelandesa Zootaxa .
 
Além da aranha recém-descrita, o gênero Ericaella abrange as espécies E. samiria e E. kaxinawa , encontradas a oeste dos Andes, em terras peruanas e brasileiras, respectivamente, e E. longipes , encontrada do lado leste da cordilheira, no Panamá. Os estudos filogenéticos a que todas foram submetidas serviram para determinar sua história evolutiva. “Constatamos que, além do todas descenderem de um só ancestral, as espécies de cada lado dos Andes compartilham ancestrais imediatos” afirma Bonaldo. Segundo a hipótese dos pesquisadores, o ancestral comum evoluiu para espécies diferentes da cada lado da cordilheira e estas, por sua vez, se diferenciaram novamente em duas outras, dando origem às quatro conhecidas até hoje do gênero Ericaella .
 
No entanto, alguns pontos dessa evolução não são claros ainda. Os cientistas não sabem, por exemplo, o que causou essa segunda diferenciação, nem como a E. longipes chegou ao Panamá. A própria separação do ancestral pela cordilheira é apenas uma hipótese. “As espécies podem ter se separado e diferenciado por dispersão, mas é menos provável”, acredita Bonaldo. 
 

A descrição de espécies é o primeiro passo para preservar a diversidade biológica do planeta. “Só de aranhas, cerca de cem novas espécies são descritas por ano no mundo”, afirma o pesquisador. Sua própria equipe descreveu, só em 2005, outras oito espécies novas (veja “As novas aranhas brasileiras”). Os espécimes analisados foram recolhidos em armadilhas no solo e nas árvores ou vieram de coleções de instituições do Brasil e da Colômbia. Por isso, pouco se pôde descobrir sobre seus hábitos, pois não houve observação direta (eles foram estudados apenas depois de mortos). “São espécies raras e observá-las no meio natural seria difícil e muito dispendioso”, pondera Bonaldo.
 

A S. piyampisi (no alto) e a A. lamellatus (embaixo) são duas das novas espécies de aranhas recém-descritas no Brasil

As novas aranhas brasileiras
A mesma equipe, formada Bonaldo e pelos pesquisadores Antonio Brescovit e Cristina Rheims, ambos do Instituto Butantan, descreveu este ano outras oito novas espécies de aranhas. Duas são do gênero Scytodes e foram encontradas no Pará: uma delas é a S. piyampisi , que significa ‘muito pequeno’ na língua dos índios Tirió, típicos da região, em alusão ao tamanho do animal. A outra é a S. cotopitoka , ou ‘animal que cospe’ na língua nativa – as espécies do gênero Scytodes , conhecidas como ’aranhas-cuspidoras’, ejetam uma substância adesiva paralisante acompanhada de veneno, que se solidifica em contato com o ar.
 
Do gênero Attacobius , o grupo descreveu três novas espécies que ocorrem no Pará ( A. tucurui , A. uiriri e A. blakei ) e outras três que vivem na Bahia e em Tocantins ( A. kitae , A. lamellatus e A. carranca ). Aranhas desse gênero costumam viver dentro de formigueiros e são conhecidas como aranhas-cavalgadoras, por terem o hábito de cavalgar no dorso das formigas do gênero Atta (as saúvas). “Elas devem liberar algum feromônio que impede que as formigas as reconheçam”, afirma Brescovit, do Instituto Butantan.
 

As aranhas do gênero Attacobius foram descritas na revista dinamarquesa Insect Systematics & Evolution , e as Scytodes , na Zootaxa .

Marcelo Garcia
Ciência Hoje On-line
27/07/05