Aumento do CO2 na atmosfera ameaça ecossistemas marinhos

O aumento das emissões de dióxido de carbono (CO 2 ) por seres humanos não afeta apenas a saúde de quem vive em terra firme. A absorção de parte desse gás pelos oceanos pode impedir que pequenos moluscos produzam suas conchas calcárias, o que comprometeria toda a cadeia alimentar e representaria uma séria ameaça ao equilíbrio ambiental. O alerta é de uma equipe internacional de cientistas, que simulou o impacto do aumento de CO 2 na atmosfera sobre ecossistemas marinhos.
 
As conclusões, publicadas na Nature desta quinta-feira, sugerem que um cenário preocupante pode ocorrer ainda neste século, caso não sejam tomadas medidas para conter o aumento das emissões de gás carbônico na atmosfera. O estudo é mais um argumento a favor da adoção global do protocolo de Kyoto, que prevê a redução progressiva dessas emissões.
 
Quando o CO 2 se dissolve nos oceanos, torna suas águas mais ácidas e diminui a disponibilidade dos íons carbonato, sobretudo nas regiões polares da Terra. Esses íons são usados por alguns organismos marinhos para formar conchas e exoesqueletos que os revestem.
 
Com o auxílio de programas de computador, a equipe de James Orr, do Laboratório de Ciências do Clima e do Meio Ambiente, na França, simulou a evolução da concentração de íons carbonato nos oceanos ao longo do século 21 (os cálculos levaram em conta dados relativos aos mares situados abaixo do paralelo 60 do Hemisfério Sul, próximo ao Círculo Polar Antártico). As simulações indicam que essa concentração diminuirá cada vez mais rapidamente, à medida que aumentarem as taxas de gás carbônico na atmosfera.
 

O molusco C. pyramidata é uma das espécies ameaçadas pelo aumento da concentração de CO 2 na atmosfera (foto: Victoria J. Fabry).

Em 2004, a concentração de gás carbônico na atmosfera era de 380 partes por milhão (ppm). Os cientistas calculam que, se essa taxa passar de 600 ppm, não haverá íons carbonato o bastante para formar as conchas e exoesqueletos dos organismos marinhos. De acordo com algumas das simulações feitas, essa taxa de CO 2 será atingida por volta do ano 2060.

 
Para mostrar o impacto de um tal cenário sobre os ecossistemas marinhos, os pesquisadores também realizaram experimentos com uma espécie de pequeno molusco marinho ( Clio pyramidata ) abundante nos oceanos polares. Alguns desses animais foram colocados em ambientes com água do mar com uma concentração de íons carbonato semelhante à que as simulações apontaram para o ano 2100. Depois de 48 horas, os cientistas constataram que a concha do molusco havia se dissolvido.
 

Essa ameaça poderá ser enfrentada não apenas por moluscos, mas também por corais com estruturas calcárias. Como um intervalo de cerca de 50 anos não seria suficiente para que essas espécies se adaptassem às novas condições ambientais, o impacto sobre esses organismos poderia se estender a todo o ecossistema, já que os moluscos estão localizados na base da cadeia alimentar e os corais representam abrigo para variadas espécies de peixe. “As mudanças na composição química da água dos mares que ocorrerão no final do século podem alterar muito a estrutura e a biodiversidade dos ecossistemas polares, com impactos em múltiplos níveis tróficos”, alerta a equipe na conclusão do artigo.

Lia Brum
Ciência Hoje On-line
28/09/05