Barriga d’água com os dias contados

Um mal que aflige 200 milhões de pessoas ao redor do mundo pode ganhar um programa de prevenção e controle efetivo de sua transmissão. Está sendo desenvolvida na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) uma vacina contra a esquistossomose. O produto, feito com tecnologia totalmente nacional, obteve ótimos resultados em testes com animais e ainda este ano terá sua segurança avaliada em seres humanos.

A esquistossomose caracteriza-se pela inflamação do fígado e do baço causada pelos ovos do verme Schistosoma mansoni. O aspecto físico resultante desse quadro justifica o nome popular da doença: barriga d’água.

“Além de comprometer a saúde, a esquistossomose prejudica ascapacidades de aprendizagem e de trabalho e a qualidade de vida dodoente”

“Além de comprometer a saúde, a esquistossomose prejudica as capacidades de aprendizagem e de trabalho e a qualidade de vida do doente”, afirma a médica responsável pela pesquisa, Miriam Tendler, da Fiocruz.

O contágio da esquistossomose ocorre depois que larvas do S. mansoni são liberadas na água pelo caramujo Biomphalaria, seu hospedeiro intermediário, e penetram na pele humana. O tratamento é realizado com medicamentos por via oral para matar o parasita dentro do corpo.

No mundo, existem cerca de 800 milhões de pessoas expostas ao risco de infecção. No Brasil, 4 milhões de pessoas sofrem hoje com a doença.

Ovos de ‘Schistosoma mansoni’
Ovos do verme ‘Schistosoma mansoni’ na parede intestinal. A inflamação do fígado e do baço dos pacientes causada por esses ovos resulta no aspecto físico característico da esquistossomose e que deu origem ao nome popular da doença: barriga d’água. (foto: CDC)

Presente em áreas pobres e tropicais do planeta, a esquistossomose fazia parte de um grupo de doenças negligenciadas pelos organismos de saúde. “Como em geral não mata, ela era vista como uma doença com a qual as populações das áreas afetadas deveriam conviver”, diz a pesquisadora.

A vacina preventiva em desenvolvimento na Fiocruz promete mudar esse quadro. “Obtivemos cerca de 70% de imunidade em milhares de camundongos”, informa Tendler.

A vacina foi testada também com sucesso em outras espécies de animais, em um esquema vacinal de três doses, que será agora adotado para os seres humanos, conforme aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

A vacina, de aplicação intramuscular, teve imunidade duradoura em animais. Em camundongos, por exemplo, a proteção durou praticamente todo o tempo de vida dos animais.

A vacina teve imunidade duradoura em animais

O trabalho começou vinte anos atrás, quando a Organização Mundial da Saúde criou um programa para o desenvolvimento da primeira vacina contra a esquistossomose.

Na época, existiam seis principais moléculas candidatas, escolhidas a partir dos resultados de seus projetos de desenvolvimento – quatro norte-americanos, um francês e o da Fiocruz. “A proposta brasileira foi a mais abrangente e também a que teve maior progresso, além de ser a única desenvolvida em um país endêmico”, destaca Tendler.

Caráter bivalente

A substância principal da vacina brasileira é a proteína Sm-14, extraída do S. mansoni e presente na estrutura da maioria dos vermes que parasitam o interior de outros organismos (conhecidos como helmintos). Essa proteína é a responsável por induzir o organismo a produzir anticorpos para combater e prevenir a doença.

Proteína Sm-14
A proteína Sm-14, extraída do verme causador da esquistossomose, é a principal substância da vacina desenvolvida pela Fiocruz. (imagem: Richard C. Garratt)

O fato de a proteína usada na vacina não ser específica do S. mansoni faz com que o produto tenha ampla atuação. “A vacina age não só contra a esquistossomose, mas também contra outras doenças causadas por helmintos, como a fasciolose hepática, principal parasitose do gado de consumo”, afirma a médica.

Devido a essa característica, a Fiocruz firmou uma parceria com a Ourofino Agronegócios, empresa especializada em produtos veterinários, que vai ficar responsável pela produção da vacina para uso animal.

Ainda não há previsão de quando a vacina estará no mercado. Segundo Tendler, a prioridade atual é realizar testes mais avançados com o produto.

Saulo Pereira Guimarães

Ciência Hoje On-line