Cabeça fresca

 

Voluntário submetido a uma hora de caminhada sob Sol forte, ainda com cabelo. Estudo avaliou o papel do cabelo para minimizar o estresse fisiológico causado pela radiação (fotos: Leonardo Gomes Coelho).

Má noticia a quem sofre com a falta de cabelo. Ele tem papel fundamental para proteger o crânio da radiação solar e minimizar a absorção de calor no cérebro, como mostrou um estudo pioneiro realizado no Brasil. Os pêlos presentes em nossa cabeça formam uma camada protetora que dificultaria o aumento exagerado da temperatura durante atividades realizadas sob o Sol. Os resultados podem explicar por que os pêlos nos humanos se atrofiaram em todo o corpo, menos na região da cabeça.

O estudo analisou dez homens com cabelo crespo e encaracolado com uma camada de ao menos três centímetros de espessura. Os voluntários participaram de atividades físicas realizadas sob o sol de 11h e 12h30, antes e depois de terem a cabeça raspada. A pesquisa foi feita durante o mestrado do Leonardo Gomes Coelho, orientado pelo professor Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues, da Escola de Educação Física da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Os pesquisadores constataram que, ao praticarem exercícios sem cabelo, os voluntários apresentaram um nível maior de estresse fisiológico. “O cabelo formaria uma espécie de barreira entre o crânio e a radiação solar”, explica Coelho. Ao permitir a passagem do ar, essa camada faz com que o crânio se aqueça mais lentamente do que aconteceria caso não houvesse cabelo.

Durante o experimento, foram avaliadas a freqüência cardíaca, a temperatura interna e as taxas de transpiração dos participantes. Além disso, foi analisado o índice de estresse fisiológico (IEF), medido em uma escala que varia de 0 a 10, em que 10 significa a situação máxima de estresse.

De acordo com Coelho, a atividade física levou ao aumento da variação da freqüência cardíaca e da taxa de sudorese, e o IEF subiu de 4,6 para 5,2. “Nosso objetivo não era avaliar o efeito do cabelo sobre o rendimento dos atletas, e sim entender a razão para que, na nossa evolução, apenas os pêlos da cabeça não tenham se atrofiado”, comenta.

Voluntário da foto anterior, já sem o cabelo. Sua ausência contribuiu para o aumento da freqüência cardíaca e da taxa de transpiração, além de aumentar o índice de estresse fisiológico durante exercícios físicos sob o Sol.

Diminuição do desgaste
Ao contrário do que ocorreu com outros primatas, que ainda mantêm uma pelagem mais espessa, os pêlos que cobrem o corpo dos seres humanos diminuíram de tamanho. Coelho sugere que esse fato está relacionado à transição do homem para a forma bípede de caminhar, que levaria a uma concentração maior de radiação na região do crânio.

“Os pêlos de nossa cabeça teriam se mantido hipertrofiados como uma forma de evitar o aquecimento cerebral, que gera um desgaste maior e mais rápido”, esclarece. “Os resultados parecem óbvios, mas nenhum estudo semelhante foi realizado anteriormente. Existem muitas teorias que justificam o atrofiamento dos pêlos no homem, mas nenhuma explica por que isso não tenha ocorrido na cabeça”.

O estudo foi realizado no período de 11h a 12h30 como forma de maximizar os efeitos da radiação. “Acredita-se que a espécie humana tenha surgido na África, uma região onde os índices de radiação solar são muito altos”, justifica. “Por isso, em nossa amostra incluímos apenas voluntários com cabelos crespos, pois seriam os mais adequados ao modelo teórico da origem africana. Futuramente, ainda serão necessários estudos para saber se os resultados se repetem em pessoas com cabelos lisos ou mais claros”. 

Igor Waltz
Ciência Hoje On-line
01/07/2008