Camarão sertanejo

O fóssil de uma espécie inédita de camarão encontrado em pleno sertão nordestino chamou atenção da mídia no início deste ano. A descoberta parece mesmo inusitada, mas o crustáceo, que data de 110 milhões de anos atrás, viveu na época em que a hoje seca região era banhada pelo mar. Este e outros detalhes sobre a nova espécie acabam de ser publicados na revista Zootaxa.

A descrição do crustáceo pré-histórico mostra que esse camarão passaria despercebido se nadasse entre as espécies atuais. “Ele é muito parecido com o camarão que conhecemos e as diferenças entre eles são sutis”, diz William Santana, coautor do estudo e zoólogo da Universidade Sagrado Coração, em Bauru (SP).

Por conta dessa semelhança, o camarão encontrado há quase um ano só foi identificado como uma nova espécie após meses de análise minuciosa. Segundo Santana, a principal diferença entre ele e espécies já descritas está no rostro, espinho na região frontal do camarão. “Na nova espécie, o rostro é longo e possui cinco espinhos auxiliares”, explica.

Durante a escavação, realizada no distrito de Jamacaru, na Chapada do Araripe, a equipe recolheu mais de 1.200 concreções – tipo de rocha que carrega um fóssil espremido em seu interior. Além do crustáceo, os pesquisadores encontraram moluscos, plantas, peixes e até fezes pré-históricas.

Kellnerius jamacaruensis
Reconstituição do ‘Kellnerius jamacaruensis’. As linhas pontilhadas representam partes do animal não preservadas. Barra de escala: 5mm. (foto: Saraiva et al, Zootaxa 3620 (2) 293-300)

A Chapada do Araripe preservou o camarão desde o período Cretáceo – entre 140 milhões e 100 milhões de anos atrás. Na época, a região que hoje compõe o semiárido nordestino era um tipo de estuário, ambiente aquático de transição entre água doce e salgada que era constantemente banhado pelo mar.

A formação da Chapada aconteceu há 130 milhões de anos. A movimentação de placas tectônicas da África e da América do Sul separou tais continentes, formando grandes lagos entre eles. Tempos depois, novos movimentos da crosta terrestre provocaram a elevação do fundo desses lagos, que carregaram sedimentos – entre eles, o camarão descrito no estudo.

Paleontólogo homenageado

De acordo com Santana, o clima seco da Chapada do Araripe facilita a conservação de verdadeiros tesouros da pré-história. Várias descobertas feitas na região já foram citadas na coluna ‘Caçadores de Fósseis’ da CH On-line, escrita pelo colunista Alexander Kellner, paleontólogo do Museu Nacional da Universidade do Rio de Janeiro.

“A ideia foi homenagear o distrito de Jamacaru e o Alexander Kellner, que nos ajudou nas escavações e fez diversos achados na região”

Por conta dos diversos trabalhos que o próprio Kellner fez no Araripe, o crustáceo estudado por Santana foi batizado em sua homenagem e recebeu o nome de Kellnerius jamacaruensis. “A ideia foi homenagear o distrito de Jamacaru e o Alexander Kellner, que nos ajudou nas escavações e fez diversos achados na região”, diz.

Segundo Kellner, a homenagem é gratificante, já que ele sempre desejou que mais pesquisas fossem feitas na Chapada do Araripe. “Receber homenagens é muito bom e essa foi especial porque eu sempre desejei o desenvolvimento de novos estudos por lá”, diz.

O paleontólogo acrescenta que a expedição representa a primeira escavação feita por um pesquisador local: o biólogo Antônio Álamo Saraiva, da Universidade Regional do Cariri. “Eu mesmo encontrei a rocha com o crustáceo, dei a uma estudante do Antônio e disse que aquilo era um presente. No final das contas, foi mesmo!”, completa.

Clique aqui para ler o texto que a Ciência Hoje das Crianças Online preparou sobre o camarão pré-histórico.

Mariana Rocha
Ciência Hoje On-line