Causa genética para disfunção cardíaca

 

Uma descoberta pode tornar mais eficaz o tratamento de disfunções no músculo cardíaco. Pesquisadores brasileiros e americanos encontraram em portadores dessas doenças mutações no gene que sintetiza a principal proteína responsável pelos movimentos de contração e relaxamento do coração. Além de surgir como um novo alvo para terapias contra disfunções cardíacas, a proteína alterada pode ser a explicação para muitos casos de morte súbita associados a infarto.

O estudo faz parte do doutorado do bioquímico Daniel Reynaldo, do Instituto de Bioquímica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e foi desenvolvido em parceria com o bioquímico José Renato Pinto, sob a coordenação do professor James Potter, ambos da Universidade de Miami (EUA).

Na imagem, o coração de um camundongo saudável (à esquerda) contrasta com o de um camundongo com hipertrofia (à direita), em que a espessura e a rigidez do músculo (em rosa) diminuem as cavidades e dificultam o relaxamento do coração e o bombeamento do sangue (imagem: José Renato Pinto).

Os pesquisadores avaliaram amostras de sangue de 1.025 pessoas com hipertrofia do músculo cardíaco (cardiomiopatia hipertrófica), doença que muitas vezes não apresenta sintomas e é responsável por casos de paradas cardíacas súbitas, especialmente em atletas. A análise detectou em quatro pacientes mutações no gene que comanda a síntese da proteína Troponina C, uma das seis responsáveis pelos movimentos do músculo cardíaco.

A dupla de bioquímicos destaca que essa proteína nunca havia sido estudada. Normalmente são investigadas variações nas outras cinco proteínas. “A Troponina C é tão importante que se imaginava que um indivíduo com uma alteração nessa proteína morreria antes mesmo de nascer”, justifica Reynaldo.

A Troponina C é chamada pelos pesquisadores de “sensor de cálcio”. Essa proteína, presente nas fibras musculares, se liga aos íons de cálcio liberados quando um impulso nervoso ordena o movimento do músculo e inicia, assim, a contração. O desligamento do cálcio dessa mesma proteína leva ao relaxamento do coração.

Alvo principal
Por meio de testes com células musculares cardíacas, a equipe notou que, além da possibilidade da própria Troponina C sofrer alteração, seu funcionamento também é afetado pelas mutações que podem ocorrer nos genes das outras cinco proteínas. “Qualquer variação em outra proteína do músculo cardíaco tem efeito sobre a ligação de cálcio, o que evidencia a importância da Troponina C, que pode ser afetada tanto direta quanto indiretamente”, diz Pinto.

Os pesquisadores garantem que a Troponina C é a grande vilã das disfunções do músculo cardíaco. Até agora, acreditava-se que essas doenças decorressem de variações na concentração de cálcio nas células. Mas os estudos mostram que as disfunções na verdade estão associadas à sensibilidade da proteína, que pode se ligar ao cálcio mais rápido ou mais devagar que o normal e encurtar ou aumentar o ritmo dos batimentos.

Há cerca de apenas um mês, a equipe encontrou outras mutações no gene que sintetiza a Troponina C, desta vez em pacientes com dilatação e enfraquecimento do músculo cardíaco (cardiomiopatia dilatada). “Isso mostra que é apenas uma questão de tempo até encontrarmos novas mutações”, aposta Pinto.

Redirecionamento das terapias
O próximo desafio é descobrir uma terapia mais eficiente para o tratamento dessas disfunções. Hoje, os medicamentos para a doença atuam na concentração do cálcio nas células, o que altera desnecessariamente outros processos. “O problema não está no cálcio, mas no seu receptor, ou seja, a Troponina C”, afirma Reynaldo. “O que precisamos é achar um composto que conserte esse sensor, fazendo-o se ligar ao cálcio ou se desligar desse íon como em um coração normal.”

Outra falha da terapia atual é não levar em conta as diferenças entre os pacientes, que se enquadram em três grupos distintos de disfunções cardíacas: hipertróficas (com aumento e enrijecimento do músculo), restritivas (com grande enrijecimento) e dilatadas (com dilatação e enfraquecimento do músculo). Os bioquímicos explicam que essas características estão diretamente ligadas ao tipo de falha do sensor de cálcio e demandam tratamentos específicos.

Os pesquisadores ressaltam que a identificação precoce é a melhor forma de evitar as consequências mais graves das disfunções do músculo cardíaco. “Se essas doenças são causadas por um problema genético, elas podem ser identificadas desde o nascimento do indivíduo”, acrescenta Reynaldo.

Barbara Marcolini
Ciência Hoje On-line
22/06/2009