Chariklo: o centauro anelado

Júpiter, Saturno, Urano e Netuno têm um charme em comum: eles são circundados por vistosos anéis. Até esta semana, cientistas acreditavam que, em nosso sistema solar, essa fascinante característica era exclusividade desses quatro planetas.

Descoberta liderada por astrônomos brasileiros, porém, revela uma nova história. Pela primeira vez, foi observado que no Sistema Solar existe outro corpo celeste a ostentar uma estrutura anelada em torno de si. É Chariklo – pequeno objeto da classe dos chamados centauros. Ele assemelha-se a um asteroide e orbita o Sol entre Saturno e Urano.

Pela primeira vez, foi observado que no Sistema Solar existe outro corpo celeste – além dos planetas Júpiter, Saturno, Urano e Netuno – a ostentar uma estrutura anelada em torno de si

Chariklo fica a 16 unidades astronômicas de nós (1 unidade astronômica, que, por definição, é a distância entre a Terra e o Sol, corresponde a 149.597.871 km). Suas dimensões são modestas: ele tem 250 km de diâmetro.

“Estudar esse centauro é como estudar uma moeda de 1 real a 200 km de distância”, compara o astrônomo Felipe Braga-Ribas, pesquisador do Observatório Nacional (RJ) e principal autor do estudo que revelou a existência de dois anéis em torno do objeto. O trabalho foi publicado esta semana na Nature.

A descoberta, na verdade, foi fruto do acaso. Desde 2007, a equipe com a qual Braga-Ribas trabalha dedica-se ao estudo dos chamados objetos transnetunianos (que, como o próprio conceito sugere, estão para além da órbita de Netuno) e dos centauros. “Ainda pouco se sabe a respeito deles”, diz o astrônomo. E os esforços de sua equipe ambicionam exatamente ampliar o conhecimento acerca desses misteriosos corpos que viajam no cosmos.

Eis que em um dos estudos, quando planejavam estudar Chariklo durante um fenômeno conhecido como ocultação estelar – momento em que, como em um eclipse, o objeto passa entre uma estrela de referência e o observador –, os pesquisadores notaram que os padrões de luminosidade emitidos pelo centauro sugeriam a existência de dois anéis circundantes ao corpo.

Veja animação (em inglês) que ilustra a detecção dos anéis de Chariklo, com base em gráfico conhecido como curva de luz, que mostra a luminosidade captada do objeto ao longo de certo tempo

A ocultação durou apenas 12 segundos e foi feita no dia 3 de junho de 2013. Os dados foram captados por telescópios distribuídos em quatro países: Brasil, Argentina, Uruguai e Chile. Mais de 60 pesquisadores integram o estudo que culminou na descoberta.

A novidade colocou em xeque algo que até então era praticamente consenso entre astrônomos e afins: a ideia de que anéis se formariam somente em torno de corpos celestes de grande porte. “Não aventurávamos a hipótese de existirem anéis em torno de objetos menores”, diz Braga-Ribas. Por isso, segundo ele, a descoberta abre um novo horizonte de pesquisa para a astronomia. “O estudo da origem, da evolução dinâmica e da estabilidade dos anéis nos dirá muito sobre a história de formação dos planetas e sobre a história do próprio Sistema Solar.”

Majestosos anéis

Estruturas cósmicas aneladas fascinam astrônomos e entusiastas há muitos séculos. Hoje, sabe-se que os anéis dos corpos celestes são geralmente aglomerados de poeira e detritos. Essas partículas, muitas vezes oriundas da superfície desses corpos, são expelidas para o espaço devido à própria rotação do objeto. Ao mesmo tempo, a atração gravitacional não as deixa escapar para longe demais. É assim que se formam os famosos anéis.

Braga-Ribas: Assim como os anéis de Saturno, os de Chariklo são muito brilhantes

Os mais conhecidos, sem dúvida, são os anéis de Saturno. “São majestosos”, comenta Braga-Ribas. Extremamente brilhantes, eles são bastante densos e têm, entre muitas outras coisas, partículas de gelo em sua composição. Já os anéis de Júpiter e Netuno são mais escuros, assim como os de Urano, formados provavelmente por poeira, silicato e gelos.

E quanto aos anéis de Chariklo? “Assim como os de Saturno, eles são muito brilhantes”, diz Braga-Ribas. Por esse motivo, os pesquisadores acreditam que eles também sejam formados por quantidades significativas de partículas de gelo. Em tempo: os dois anéis já foram devidamente apelidados. Chamam-se Oiapoque e Chuí.

Solitário não mais

A mesma edição da Nature destaca, ainda, outro interessante feito da astronomia. Pesquisadores descobriram um corpo celeste que pode ser um novo planeta-anão: é o 2012VP113. Ele tem diâmetro de aproximadamente 400 km. Sua órbita é semelhante à do Sedna, um planetoide que, descoberto em 2003, mantinha o título de único objeto cósmico observado na parte interna da nuvem de Oort – área remota que, iniciada a partir das imediações do Cinturão de Kuiper, tangencia os limites externos do Sistema Solar. O 2012VP113 passa a ser, então, o segundo objeto observado nessa longínqua região do cosmos.

Novo planetoide
Posição da órbita do planetoide recém-descoberto em relação a pontos de referência do Sistema Solar. (imagem: Nature)

A descoberta fica por conta dos astrônomos Chad Trujillo, do Observatório Gemini, no Havaí (EUA), e Scott Sheppard, do Instituto Carnegie, em Washington (EUA). “O 2012VP113 é provavelmente um mundo gelado, e sua temperatura neste exato momento deve ser de aproximadamente 15K [-258,15 ºC]; tudo indica que ele é composto basicamente de água e metano”, diz Sheppard à CH On-line.

“É emocionante saber que existem mais objetos como o Sedna em órbitas tão distantes do Sol”, diz à CH On-line a astrônoma Megan Schwamb, pesquisadora da Universidade de Yale (EUA) que escreveu um comentário acerca da descoberta na mesma edição da revista. Ela está entusiasmada: “Na próxima década, com uma nova geração de modernos telescópios, poderemos melhor entender esses remotos corpos celestes que até agora permanecem tão elusivos.”

Henrique Kugler
Ciência Hoje On-line

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