A professora Adriana da Silva filmou a aluna Maria da Saúde declamando seu cordel junto com seus colegas de turma (clique na imagem para assistir ao vídeo).
A união entre arte e ciência acaba de render mais um fruto. O conceito de que, do ponto de vista genético, a humanidade não é dividida em raças virou tema de cordel. A iniciativa, elaborada a partir das ideias do geneticista Sérgio Pena, professor da Universidade Federal de Minas Gerais e colunista da CH On-line, chama a atenção para a necessidade de se combater o racismo na sociedade.
O cordel é resultado de um trabalho de conclusão do curso de pós-graduação em história afro-brasileira e indígena da Universidade de Pernambuco (UPE). A obra foi feita após a leitura e discussão do livro Humanidade sem raças?, escrito por Pena.
A autora do cordel, a aluna Maria da Saúde, decidiu usar a arte para explicar as ideias do geneticista. “Ao invés de fazer uma prosa acadêmica, um fichamento ou um artigo, como seria de se esperar em uma pós-graduação, Maria nos surpreendeu com esse cordel”, conta a professora Adriana Maria Paulo da Silva.
Segundo Silva, o cordel – intitulado Nem isto, nem aquilo – se tornou um instrumento de apoio ao ensino. “A turma entendeu melhor o texto do Sérgio depois de ouvir o cordel da Maria”, enfatiza. E completa: “Com o cordel, as ideias dele chegaram à alma dos meus alunos e alunas.”
As ideias de Pena a que a professora se refere são argumentos genéticos que derrubam o conceito de raça na espécie humana – difundidos não apenas em seu livro, mas também em suas colunas na CH On-line. Considerando a origem única e a diversidade genética dos seres humanos, Pena demonstra que a humanidade é na verdade uma “grande família”, que só pode ser dividida em 6 bilhões de indivíduos igualmente diferentes. O conceito de raça não passa de uma construção social baseada em diferenças fenotípicas (relativas às características aparentes) absolutamente superficiais.
Além de divulgar os conceitos científicos de forma simples e atrativa para o grande público, o cordel pernambucano enfatiza a importância do combate ao racismo. “A maioria dos alunos compreendeu que também é responsável pela construção de um mundo sem raças”, conclui Silva.
Sergio Pena aprovou a apropriação de seus argumentos. “Além de divertido e interessante, o cordel feito pela Maria da Saúde demonstrou uma compreensão perfeita da mensagem que eu quis passar em Humanidade sem raças?”, afirma ele. “Fiquei muito satisfeito e renovaram-se as minhas esperanças de que venhamos construir, no Brasil, uma sociedade futura desracializada, na qual a singularidade do indivíduo seja valorizada e celebrada.”
Confira abaixo o cordel:
Nem isto, nem aquilo
Maria da Saúde da Silva
Eu sempre ouvi falar
Da cultura ignorante
Essa idéia veio aflorar
Mas hoje eu acredito
Falo, provo e lhe digo
Que isso tem que acabar
Sergio Pena, grande homem
Nos trouxe a grande questão
Não existem tantas raças
Vai pra lá de seis bilhão
O racismo é social
O genoma é crucial
E revela solução
Não é só por aparência
Que devemos entender
Se é isto ou aquilo
Que o homem deve ser
Quem só vai pela aparência
Tá por fora da ciência
Sinto muito em lhe dizer
O racismo é novinho
Ele não é velho não
Vem do século 17
Junto com a escravidão
Do povo negro africano
Que assim, durante anos
Quiseram pôr no porão
Se tornou campo propício
Pro terrível do Apartheid
Pro nojento do nazismo
Teorias baseadas
De culturas arraigadas
Disso surge o racismo
O que posso ser por fora
Não determina o que há por dentro
Cor de pele, cabelo e crânio
Isso é velho pensamento
Cada ser é um indivíduo
E em seu DNA contido
Constitui um firmamento
Somos todas da mesma espécie
Somos todos da família
Seguindo num mesmo som
Seguindo na mesma trilha
Compreender que não há raça
Isso é a causa da desgraça
De cada um na sua ilha
Isabela Fraga
Ciência Hoje On-line
26/02/2009