Cobra com patas desvenda mistério evolutivo

 

Reconstituição da serpente Najash rionegrina , que tinha hábitos terrestres e provavelmente usava túneis subterrâneos. Destaque para as patas traseiras funcionais, adequadas para escavar ou rastejar (arte: Jorge Gonzalez). 

Um estudo brasileiro pode pôr fim a uma acirrada controvérsia sobre a evolução das serpentes. O zoólogo Hussam Zaher, pesquisador do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, analisou fósseis da mais antiga espécie de cobra já encontrada e constatou que ela era terrestre, tinha patas traseiras funcionais e quadril. Os resultados indicam que as serpentes não são descendentes de lagartos marinhos primitivos, como sustentavam alguns pesquisadores.

A descoberta será apresentada na revista Nature desta quinta-feira, em artigo que Zaher assina ao lado do palentólogo Sebastián Apesteguía, do Museu Argentino de Ciencias Naturais ‘Bernardino Rivadavia’, que encontrou os fósseis na província de Rio Negro, na Patagônia (Argentina), em 2003. A datação dos sedimentos em que o material foi encontrado indica que a serpente – chamada Najash rionegrina – viveu no período Cretáceo Superior (há 90 milhões de anos).

O estudo dos fósseis aponta a presença de diversas características primitivas, como um par de patas traseiras unidas ao corpo com quadril, sugerindo que a serpente tinha uma musculatura bem desenvolvida, ou seja, funcional. “Como foram encontrados em sedimentos continentais, os fósseis sustentam a hipótese de que as cobras tenham se originado de um ancestral terrestre e que somente depois conquistaram o meio aquático”, conta Hussam Zaher em entrevista à CH On-line .

Uma discussão antiga

Fósseis da serpente Najash rionegrina , que apresentava fêmur bem desenvolvido, tronco separado da região caudal (A) e vértebras articuladas formando um corpo serpentiforme (B) (fotos: Hussam Zaher). 

A origem da controvérsia sobre a evolução das serpentes remonta a 1997, quando pesquisadores australianos e canadenses analisaram o fóssil de uma cobra marinha com patas traseiras encontrado em Jerusalém. A espécie – a mais antiga conhecida até então – foi considerada o elo perfeito com os lagartos marinhos primitivos, um indício de que as serpentes teriam surgido no mar.

Zaher apresentou em 2000 na revista Science outra análise desses dados e descreveu uma segunda espécie de serpente com a mesma idade, bem mais conservada, descoberta nesse mesmo local. As conclusões de Zaher e de seus colaboradores sustentam que se tratava de cobras marinhas modernas, que nada explicavam sobre a origem das serpentes. A discussão permaneceu então com interpretações diferentes e perdeu ânimo pela falta de novidades fósseis.

“A espécie que acabamos de descrever dá novo fôlego para a discussão”, avalia Zaher. “As cobras anteriores apresentavam patas traseiras que ficavam por dentro das costelas, sem conexão com o corpo e que, portanto, não eram funcionais.”

Zaher considera que o novo fóssil sustenta claramente a hipótese da origem terrestre das cobras, mas reconhece que a questão ainda está longe de ser resolvida. “As serpentes se originaram no final do período Jurássico e início do Cretáceo (cerca de 145 milhões de anos atrás) e ainda não foram descobertos fósseis dessa época. A perda das patas anteriores ainda é uma questão sem resposta.”

Marina Verjovsky
Ciência Hoje On-line
19/04/2006