Divulgação científica: para quem e por quem?

Existe um sentimento cada vez mais enraizado na comunidade de pesquisadores, assim como entre os responsáveis pela criação e implementação de políticas públicas, de que é preciso uma maior integração entre ciência e sociedade. A julgar pelos discursos de cientistas e políticos e por diversas iniciativas do CNPq e das fundações de amparo à pesquisa dos estados (FAPs), essa necessidade parece consensual. No entanto, o consenso acaba por aí. As divergências sobre como esse diálogo deve acontecer são inúmeras e vão desde o público a ser enfocado até quem deveria se encarregar dessa tarefa.

Um bom exemplo da importância desse tema pôde ser visto na recente reunião da Rede Global de Academias de Ciências (IAP), realizada no Rio de Janeiro no final de fevereiro. Esse organismo internacional, que reúne 106 academias de ciências ao redor do mundo, dedicou parte de suas atividades à discussão do que foi denominado alfabetização científica e de como esta poderia ser aperfeiçoada.

Tanto essa reunião da IAP como as opiniões de diversos segmentos deixam claro que o primeiro ponto a ser destacado quando o assunto é divulgação científica é o público-alvo. Parece óbvio, mas nem sempre é levado em conta que existem públicos distintos, com interesses diversificados e, sobretudo, com realidades próprias. Ensinar ou falar de ciência para um adulto é totalmente diferente do que fazer o mesmo para uma criança – algo evidente.

É fundamental para quem deseja falar sobre ciência para o público não especializado ter um bom conhecimento do que realmente importa para o grupo que pretende atingir

Mas apresentar ciência para um público formado por adultos de mesma faixa etária e nível social também não tem uma fórmula única. Uma notícia sobre pesquisas que ajudam a detectar determinada doença pode, ao mesmo tempo, ser totalmente irrelevante ou despertar grande interesse, o que está diretamente relacionado ao fato de o receptor da informação viver ou não em uma região afetada pela enfermidade.

Um bom exemplo dessa dinâmica ocorreu quando um novo dinossauro do Chile (Atacamatitan chilensis) foi descrito. No Brasil, o feito praticamente não repercutiu, mas no país onde o dinossauro foi descoberto, houve grande e positiva repercussão.

Portanto, embora haja outros aspectos a serem considerados com relação ao público-alvo, é fundamental para quem deseja falar sobre ciência para o público não especializado ter um bom conhecimento do que realmente importa para o grupo que pretende atingir.

Direto da fonte

Um ponto que costuma gerar muita polêmica é quem seria o ator mais indicado para se comunicar com o público. Muitos defendem que os próprios pesquisadores, aqueles que geram os resultados da pesquisa, devem fazer isso. Iniciativas como a da Faperj, que determina que quem faz parte do programa Cientistas do Nosso Estado deve realizar alguma atividade em escola pública do Rio de Janeiro, são muito interessantes e louváveis.

Oficina de biologia
A realização de atividades de divulgação científica, como oficinas voltadas para crianças e jovens, tem sido valorizada pelas agências de fomento brasileiras. (foto: Marcelo Garcia)

Já o CNPq finalmente reconheceu que atividades de divulgação também seriam um ponto importante na carreira do pesquisador, que agora conta com um item específico no seu currículo Lattes para listar essas realizações. Mesmo que estas não sejam avaliadas de forma clara, a iniciativa é um passo adiante para tentar fazer com que a ciência dialogue com a sociedade.

Porém, há que se ter certo cuidado. Não deve ser novidade para ninguém que nem todos os cientistas são necessariamente bons educadores de ciência. Gosto de dizer que existem pesquisadores que nunca deveriam sair dos seus laboratórios para falar com o público. Já vi muitos brilhantes cientistas (inclusive quando eu era aluno) que não têm a menor vocação para falar sobre a sua pesquisa com outros que não sejam os seus pares.

Ao meu ver, não existe nada de errado com isso. Portanto, o cientista não deve ser obrigado a realizar atividades com o público. Quando se concede auxílio para o desenvolvimento de projetos, o que se quer, em última instância, é que eles produzam avanços em suas respectivas áreas. Além disso, uma palestra para alunos, por exemplo, pode ser bastante motivadora, mas também pode causar o efeito contrário.

Ainda no caso de o pesquisador agir como divulgador da ciência, os cursos de pós-graduação poderiam ser estimulados a oferecer uma matéria em que o cientista aprendesse como divulgar um resultado científico ou mesmo que postura adotar ao dialogar com o público em geral ou com os profissionais da mídia sobre o assunto.

Existem também diversos profissionais que estariam – ou deveriam estar – habilitados a fazer essa interface entre ciência e sociedade e que não necessariamente são cientistas. Entre os principais estão os professores dos ensinos fundamental e médio.

Infelizmente no Brasil, assim como na grande maioria dos países, o ensino de ciências para estudantes em geral é bastante deficitário

Infelizmente no Brasil, assim como na grande maioria dos países (como ficou bem claro na reunião da IAP), o ensino de ciências para estudantes em geral é bastante deficitário. Os problemas não são apenas as condições das escolas, mas também os próprios professores, que não se sentem valorizados diante de uma remuneração bem inferior ao condizente com suas responsabilidades. Na maior parte dos casos, a ciência acaba sendo limitada a conceitos gerais, com abordagem muito superficial, de matemática, física, química e alguma coisa de biologia.

Para mudar esse quadro, os formadores de políticas públicas devem ter em mente que dar uma melhor formação a esses professores e reconhecer que eles podem fazer uma verdadeira diferença na visão das crianças (curiosas por natureza) sobre o universo científico é de capital importância para a disseminação da ciência a médio e longo prazos.

Elo entre ciência e sociedade

Outro profissional que pode agir na interface cientista-público é, obviamente, o jornalista científico. Nesse sentido, vale a pena consultar excelente entrevista com Reinaldo José Lopes, da Folha de São Paulo, recentemente publicada no blogue Dissertação sobre Divulgação Científica.

Na entrevista, fica claro que o jornalismo científico experimentou avanços nos últimos anos, mas ainda há muito a se fazer. A começar pelas redações dos jornais, que em sua maioria não têm editoria fixa de ciência, e pelo limitado espaço dado a notícias relacionadas ao tema. Não vamos nem falar dos programas científicos nas televisões, praticamente inexistentes ou então apresentados em horários que são tudo menos nobres…

De qualquer forma, somente o fato de existir diálogo e discussão a respeito da divulgação científica já mostra que estamos avançando. Naturalmente não posso deixar de incluir aqui o meu mantra habitual da necessidade de investimentos expressivos nas exposições dos museus.

Exposição de fósseis
Exposição de fósseis no Museu Nacional/UFRJ, maior instituição brasileira de paleontologia. Esse tipo de atividade pode complementar o ensino de ciências. (foto: Alexander Kellner)

Não é novidade que esse tipo de instituição atua (ou pode atuar) na complementação do ensino de ciências para os alunos dos ensinos fundamental e médio, além de ter o potencial de passar conhecimento de uma forma muito agradável. Mas, se a exposição não for de boa qualidade e adequada aos tempos modernos (criativa, com possibilidade de interatividade, boa iluminação etc.), seu efeito pode ser o mesmo de uma palestra proferida por alguém com dificuldades de se comunicar com o público não especializado.

Aliás, falando em tempos modernos, tem sido muito discutido o papel da internet na divulgação científica e o fato de que hoje todo mundo pode, de certa forma, atuar como ‘repórter’ e propagar informações. Mas essa já é outra história…

Para finalizar, não poderia deixar de agradecer, nesta que é a coluna de número 100, à equipe da Ciência Hoje On-line, em especial ao Bernardo, fundamental na fase inicial da coluna, e a Carla e Thais, que editam e fazem inúmeras sugestões. Afinal, desde dezembro de 2004 a coluna tem sido publicada mensalmente, de forma contínua, o que não seria possível sem esse auxílio e apoio.

Por último, gostaria de fazer um agradecimento especial aos leitores, que, finalmente, são a razão de ser desse projeto!

Alexander Kellner
Museu Nacional/UFRJ
Academia Brasileira de Ciências

Paleocurtas

As últimas do mundo da paleontologia
(clique nos links sublinhados para mais detalhes)

Está em plena organização o Primeiro Simpósio Brasileiro de Dinossauros. O evento, que ocorrerá em Ituiutaba (Minas Gerais) entre 21 e 24 de abril, reunirá especialistas nacionais e internacionais e é o primeiro especificamente dedicado a esse grupo de répteis realizado no Brasil. A coordenação está a cargo de pesquisadores da Universidade Federal de Uberlândia (campus Pontal). Mais informações no site do evento.

O Museu Nacional/UFRJ vai inaugurar em 22 de março uma pequena exposição sobre pterossauros, grupo de répteis voadores que viveram durante a era Mesozoica. Com peças originais e réplicas de diferentes partes do mundo, a mostra, que foi apoiada pela Faperj, também contará com uma atividade interativa em que o visitante poderá simular o voo de um desses animais alados. O Museu Nacional fica no parque da Quinta da Boa Vista, no Bairro Imperial de São Cristóvão, no Rio de Janeiro.

Diego Pol (Museo Paleontológico Egidio Feruglio, Chubut, Argentina) e colegas acabam de descrever um crocodiliforme basal da Argentina. Procedente de depósitos jurássicos, Almadasuchus figarii é composto pela parte posterior de um crânio que revelou alguns avanços evolutivos no desenvolvimento de um crânio totalmente rígido. Esse tipo de configuração craniana é comum em formas mais derivadas e possibilitou a diversificação desses répteis, particularmente no final do Jurássico e no Cretáceo. O estudo foi publicado na Biological Reviews.

Ovos de parasitas foram encontrados em um coprólito (excremento fossilizado) de 270 milhões de anos. Paula Dentzien-Dias (UFRGS) e colegas acharam no material, que é atribuído a um tubarão, 93 pequenas estruturas ovaladas interpretadas como ovos de um verme semelhante à solitária. Um desses ovos continha até parte de uma larva. O estudo, publicado na prestigiosa PLoS One, demonstra que esse tipo de parasita é bem mais antigo do que se supunha.

Uma pesquisa muito interessante envolvendo experimentos com pegadas de aracnídeos recentes foi publicada na Palaios. Joshua Schmerge (University of Kansas, Lawrence, Kansas) e colegas fotografaram e filmaram os traços deixados por pedipalpos (Thelyphonida) em terrenos com distintos graus de umidade e granulometria e os compararam com o registro fóssil. A partir dos resultados, os autores propõem uma nova metodologia para identificar pistas de artrópodes.

Acaba de sair o resultado da enquete sobre a matéria ou descoberta abordada nesta coluna no ano passado que mais agradou ao leitor. O tema mais votado foi o trabalho sobre embriões de 278 milhões de anos. Trata-se da pesquisa desenvolvida por Graciela Pinheiro (Faculdade de Ciências em Montevidéu, Uruguai) e que teve a participação do pesquisador brasileiro Jorge Ferigolo (Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul). Parabéns aos colegas! Ano que vem tem mais…