O supersalmão

Tidos como símbolos da persistência por vencerem corredeiras de rios norte-americanos para alcançar os seus locais de procriação – enquanto são espreitados por ursos, águias e outros predadores – o salmão está atualmente no centro de um acalorado debate entre ambientalistas, empresários e cientistas.

O salmão está no centro de um acalorado debate entre ambientalistas, empresários e cientistas

O salmão, famoso por sua deliciosa carne avermelhada, é criado comercialmente desde o século 18. O peixe alcança índices elevados de comercialização, estando, neste quesito, atrás apenas do atum.

Segundo estimativas da Organização de Alimentos e Agricultura das Nações Unidas (FAO), são comercializados anualmente mais de três milhões de toneladas de salmão.

A atividade movimenta dezenas de milhões de dólares a cada ano. Dentre as sete espécies de salmão comercializadas, destaca-se o salmão-do-atlântico, Salmo salar, que sozinho representa cerca de 45% da produção mundial desse pescado.

A maior parte da criação comercial desses peixes depende de apenas dois países. O Chile, cuja produção foi pesadamente afetada pelo terremoto recente, detém 31% da produção mundial; e a Noruega, está na frente com 33%. Apesar da grande apreciação da carne de peixe no Brasil, não há criações comerciais no país.

Natureza morta
A natureza morta com uma posta de salmão foi pintada pelo espanhol Luis Eugenio Meléndez no longínquo ano de 1772, e integra o acervo do Museu do Prado (reprodução: The Yorck Project/ Zenodot Verlagsgesellschaft mbH).

Aceleração do crescimento
Atualmente, em torno de 69% dos salmões consumidos no mundo provêm de criações em cativeiro. Contudo, ainda há vários problemas por solucionar para obter um maior rendimento comercial dessa atividade econômica. Um dos principais é a demora no crescimento dos salmões, que necessitam de três a quatro anos para atingir o tamanho para a venda (em torno de 3 kg).

Os peixes ‘AquAdvantage’ possuem um gene que ativa um hormônio decrescimento e mostram-se mais resistentes a parasitas e patógenos

Ao longo dos últimos anos, várias empresas de biotecnologia investiram em alternativas para solucionar esse impasse. Uma das tentativas de maior sucesso na área foi o criação de um salmão-do-atlântico transgênico, denominado  ‘AquAdvantage’.

Esse peixe geneticamente modificado foi desenvolvido em 1989 pela empresa canadense AquaBounty Technologies. Em 1996, foi submetido à análise da Administração de Drogas e Alimentos (FDA, do inglês Food and Drug Administration) para eventual liberação de sua comercialização.

Os salmões AquAdvantage possuem um gene que ativa um hormônio de crescimento (opAFP-GHc2), proveniente de outra espécie de salmão, o salmão-rei ou do Pacífico (Oncorhynchus tshawytscha).

Tanques AquaBounty
Tanques de salmão no criatório da AquaBounty (foto: AquaBounty Technologies).

Além disso, esses peixes mostram-se mais resistentes a parasitas e patógenos e mais tolerantes a variações nas condições ambientais do que os indivíduos não modificados geneticamente. 

A resistência dos salmões transgênicos está associada à introdução, nesses peixes, de uma parte do DNA de peixe-carneiro americano (Zoarces americanus), relacionada à produção de uma proteína de resistência a baixas temperaturas.

A introdução do gene do crescimento no salmão-do-atlântico aumenta em duas vezes a taxa de desenvolvimento desses animais durante o seu primeiro ano de vida. Assim, os peixes alcançam tamanho de mercado em apenas 16 a 18 meses.

Incubadora
Ova de salmão na incubadora dos transgênicos (foto: AquaBounty Technologies).

Os pesquisadores envolvidos com o desenvolvimento dos salmões  AquAdvantage acreditam que o segredo do crescimento mais rápido desses peixes está na sua capacidade de produzir o hormônio do crescimento ao longo de todo o ano.

Os salmões modificados não ficarão maiores do que os animais comuns, pois os peixes geneticamente modificados param de crescer após atingir o seu tamanho normal.

Os níveis mais elevados de hormônio do crescimento na circulação dos salmões transgênicos parecem ainda melhorar as suas taxas de assimilação e conversão dos nutrientes captados.

 

Temores ambientais

As pessoas que apoiam a criação e comercialização de salmões transgênicos afirmam que esses animais irão diminuir os impactos causados às populações naturais dessa espécie pela pesca. 

Há um enorme ganho para os piscicultores,que poderão comercializar animais mais precoces e resistentes

Além disso, do ponto de vista econômico, há um enorme ganho para os piscicultores, que poderão comercializar animais mais precoces e resistentes. Obviamente, essas alterações genéticas diminuirão os custos de produção e de comercialização dos salmões transgênicos em relação aos tradicionais.

Contudo, há um grande número de opositores à criação e comercialização desses peixes transgênicos. O principal temor dos ambientalistas é que eles possam escapar de suas fazendas de criação e atingir o meio ambiente. Como eles são mais vorazes e agressivos, representam uma ameaça para o bem-estar dos salmões comuns. 

Contra a corrente
Um salmão nada contra as corredeiras na escada aquática construída no rio Capilano, no Canadá, cumprindo a árdua trajetória da espécie para chegar ao local de procriação (foto: Ramjheetun Elodie – CC BY-NC-SA 2.0).

Uma pesquisa coordenada por Robert Devlin, do Centro de Aquacultura e de Pesquisa Ambiental do Canadá, indicou que esses peixes são mais agressivos e se desenvolvem mais rapidamente do que animais não modificados geneticamente.

Ele estudou outra espécie de transgênico, o salmão prateado (Oncorhynchus kisutch). E concluiu que, quando o alimento é mais escasso, a competição com os peixes transgênicos diminui a taxa de crescimento dos animais comuns. Além disso, estes são eliminados em taxas elevadas por animais geneticamente modificados. 

A introdução de transgênicos no ambiente natural é algo bem possível de ocorrer e pode terconsequências imprevisíveis

A introdução de organismos transgênicos no ambiente natural – como os salmões AquAdvantage – é algo bem possível de ocorrer e pode ter consequências imprevisíveis.

O desenvolvimento de animais que sejam incapazes de sobreviver no meio ambiente, devido, por exemplo, à carência de algum nutriente essencial que seja suprido apenas através da ração, pode minimizar esse problema no futuro.

Para evitar contaminações ambientais, todos os salmões transgênicos criados pela AquaBounty são fêmeas e estéreis. No entanto, grupos contrários à liberação da comercialização desse peixe transgênico afirmam que há riscos no processo de esterilização de peixes usado nos salmões AquAdvantage.

Sashimi
O sashimi de salmão, uma das iguarias gastronômicas feitas com a carne disputada do peixe. Este vem do Chile (Flickr.com/ Puamelia – CC BY-SA 2.0).

Riscos à saúde dos consumidores

Diversas plantas transgênicas são rotineiramente consumidas. A quase totalidade desses cultivos é representada por apenas quatro espécies (a soja, o algodão, a colza e o milho) que estão amplamente disseminadas por vários países, inclusive o Brasil.

Contudo, há ainda um enorme desconhecimento da população sobre esses alimentos transgênicos, e uma crescente inquietação e clamor de estudiosos do tema para a realização de estudos mais detalhados e amplos sobre os riscos que o consumo desses alimentos poderia representar para a saúde humana. A mesma preocupação ocorre em relação à liberação de alimentos transgênicos de origem animal.

Cada caso é um caso, e deve ser tratado e estudado com todo o cuidado

A inserção de um gene exógeno em um genoma pode ter consequências imprevisíveis para a expressão de outros genes.

Isso pode desencadear a produção de compostos nocivos à saúde dos indivíduos que os consomem. Porém, ainda existem muito poucos estudos sobre esse tema.

Além disso, é importante lembrar que, mesmo que a ausência de riscos tenha sido verificada para o consumo de determinado transgênico, isso não significa que a ingestão de outros alimentos modificados geneticamente seja segura. Portanto, cada caso é um caso, e deve ser tratado e estudado com todo o cuidado.

Capilano
Profusão de salmões no criatório do Rio Capilano, em Vancouver, no Canadá (foto: Wikimedia Commons/ Buchanan-Hermit).

Devido a esses receios, já há mais de 15 anos que a autorização para comercialização do salmão segue em processo de análises pelo FDA. Segundo especialistas, entretanto, ela poderá sair nos próximos meses.

A AquaBounty já conseguiu comprovar a segurança genética, ambiental e para o consumo humano de seu salmão transgênico. Uma análise preliminar recentemente publicada pela FDA indica que o AquAdvantage não é química ou biologicamente diferente de um salmão-do-atlântico comum.

Se a autorização para a comercialização dos salmões AquAdvantage for obtida, será aberto um precedente para que a produção de outras espécies transgênicas também possa ser regulamentada. 

Entre esses animais estão o gado resistente ao mal da vaca louca, os porcos capazes de oferecer um bacon mais saudável e os famosos porcos verdes, ou enviropigs (da união entre as palavras inglesas environment, meio ambiente, e pig, porco), criados na universidade de Guelph, Canadá.

Se a autorização forobtida, será um precedente para a regulamentação de outrasespécies transgênicas

Eles digerem mais eficientemente o fósforo e liberam até 70% menos desse nutriente em seus dejetos, diminuindo os custos de sua criação e os danos ao meio ambiente.

Se, após a análise pormenorizada e criteriosa da FDA, for comprovado que o consumo dos salmões transgênicos é algo seguro, os peixes AquAdvantage  poderão ser servidos nas mesas de jantar em cerca de dois a três anos.

Assim, será superado um enorme obstáculo para o bem estar da humanidade, permitindo que fatias maiores da população tenham acesso a alimentos mais baratos e nutritivos. Nenhuma novidade para um peixe capaz de empreender uma viagem de centenas de quilômetros correndo riscos enormes para garantir a sobrevivência de sua espécie…

Jerry Carvalho Borges
Departamento de Medicina Veterinária
Universidade Federal de Lavras

 

Sugestões para leitura

Butler, T.M. and Fletcher, G.L. (2009). Promoter analysis of a growth hormone transgene in Atlantic salmon. Theriogenology 72, 62-71.

Hobbs, R.S. and Fletcher, G.L. (2008). Tissue specific expression of antifreeze protein and growth hormone transgenes driven by the ocean pout (Macrozoarces americanus) antifreeze protein OP5a gene promoter in Atlantic salmon (Salmo salar). Transgenic Res. 17, 33-45.

Le Curieux-Belfond, O., Vandelac, L., Caron, J., Seralini, G.E. (2009). Factors to consider before production and commercialization of aquatic genetically modified organisms: the case of transgenic salmon. Environmental Science & Policy, 12: 170-189.

Logar, N., Pollock, L.K. (2005) Transgenic fish: is a new policy framework necessary for a new technology? Environmental Science & Policy 8: 17-27.

Sapkota, A., Sapkota, A.R., Kucharski, M., Burke, J., McKenzie, S., Walker, P., Lawrence, R. (2008). Aquaculture practices and potential human health risks: Current knowledge and future priorities. Environment International 34:1215-1226.

Wong, A.C., Van Eenennaam, A.L. (2008). Transgenic approaches for the reproductive containment of genetically engineered fish. Aquaculture 275: 1-12.

Yaskowiak, E.S., Shears, M.A., Agarwal-Mawal, A., and Fletcher, G.L. (2006). Characterization and multi-generational stability of the growth  hormone transgene (EO-1alpha) responsible for enhanced growth rates in Atlantic Salmon. Transgenic Res. 15, 465-480.