O químico sueco Alfred Nobel (1833-1896), cuja herança financia o mais prestigioso prêmio científico do mundo (foto: Gösta Florman).
Anualmente, um dos termômetros dos rumos científicos da humanidade é o anúncio dos ganhadores do Nobel, feito na primeira quinzena de outubro em Estocolmo, capital da Suécia. O prêmio é concedido pela fundação criada pelo químico e engenheiro sueco Alfred Nobel (1833-1896), com fundos amealhados após a criação de 355 patentes e de indústrias em cerca de 20 países. Nobel, porém, também costuma ser lembrado pela invenção e pelo patenteamento da dinamite.
Entre a repercussão atual da premiação criada por ele e a acolhida inicial de sua iniciativa, ocorreu uma enorme mudança de atitude por parte da sociedade. A divulgação do testamento de apenas uma página de Alfred Nobel em 27 de novembro de 1895 recebeu críticas contundentes, inclusive da realeza sueca, que não compreendia os motivos para que a quase totalidade de sua enorme fortuna fosse empenhada na criação de um prêmio para agraciar pessoas – inclusive estrangeiros – que tivessem contribuído para o progresso cientifico. A influência e o sucesso atual dos prêmios Nobel mostram, no entanto, que ele foi um visionário que compreendeu que o progresso da humanidade está muito além de nações e raças.
Cinco categorias do prêmio – física, fisiologia e medicina, química, literatura e paz – foram instituídas originalmente no testamento de Nobel e concedidas a partir de 1901. O prêmio de economia foi criado posteriormente em memória de Nobel pelo Banco Central Sueco e é concedido desde 1968.
A presença de prêmios para literatura e paz pode, à primeira vista, parecer estranha para uma fundação criada por alguém que inventou a dinamite, que contribuiu para a evolução armamentista. Contudo, uma análise da vida de Nobel indica que ele era também alguém interessado nos destinos da humanidade e na cultura e que, inclusive, escrevia poemas e peças teatrais.
O processo de escolha
As premiações da Fundação Nobel são concedidas por seis comitês independentes, que analisam os candidatos às premiações em cada uma das áreas. Apesar de serem auxiliados por assessores externos, esses comitês são compostos por um número reduzido de pessoas. O comitê de química, por exemplo, é formado por apenas oito membros. Os membros desses comitês têm mandatos renováveis de três anos e, em sua grande maioria, são professores universitários que, durante parte do ano, são remunerados para exercerem essa “atividade extra”.
Os nomes desses candidatos são sugeridos por organizações representativas de suas áreas, que atuam em seus países natais ou nos locais onde eles fizeram sua carreira. Todas as propostas a serem analisadas devem ser enviadas a Estocolmo antes do inicio de fevereiro. Embora esse número varie de ano a ano, podem concorrer a um prêmio algumas centenas de candidatos a cada edição.
Sede da Real Academia Sueca de Ciências, em Estocolmo. Essa instituição indica os membros do comitê que seleciona os ganhadores do Nobel nas categorias física, química e economia (foto: Wikimedia Commons).
Obviamente esses comitês recebem pressões sutis vindas das mais diversas instâncias, pois, atualmente, ganhar essa honraria é algo que não é apenas significativo para os agraciados, mas também para sua instituição e até para seu país. É quase como se estivesse sendo decidida uma medalha de ouro olímpica ou a Copa do Mundo!
Após o exame das sugestões, uma série de candidatos promissores é selecionada e, então, são conduzidas avaliações mais detalhadas. Os procedimentos para a outorga dos prêmios e os nomes dos candidatos são secretos e as atas das reuniões das comissões permanecem sob sigilo durante 50 anos. Outra característica do Nobel é que não podem ser concedidos prêmios póstumos, a menos que o agraciado tenha falecido durante a análise dos candidatos.
Dinheiro e prestígio
Os agraciados recebem, além de um diploma e uma medalha, entregues em um jantar solene com a família real sueca, uma quantia de cerca de 1,5 milhões de dólares. Além disso, o prêmio representa prestígio e maiores oportunidades de se obterem verbas de vulto para o financiamento de pesquisas.
Porém, dificilmente o Nobel vai para um cientista novo na sua área: trata-se provavelmente de um nome consagrado, que já teve seu trabalho reconhecido inúmeras vezes. O prêmio é, portanto, apenas uma etapa – talvez culminante – de uma vida dedicada à ciência. Deve também de ser enfatizado que, atualmente, o sucesso de algum cientista depende do número de colaborações e intercâmbios que esse profissional tem com outros grupos de pesquisa em seu país e no exterior, assim como a qualidade da equipe na qual ele está inserido. Portanto, apesar de termos um único cientista premiado (ou, quando muito, dois ou três), seu sucesso deve ser compartilhado com sua equipe: pós-doutorandos, doutorandos, mestrandos, técnicos de laboratório etc.
Apesar de ter um componente político, a escolha anual dos agraciados na imensa maioria dos casos é técnica e procura contemplar pesquisas básicas que tenham contribuído para desenvolver uma determinada área do conhecimento humano. Uma exceção a essa regra é o Nobel da paz que, freqüentemente, procura sinalizar uma posição política especifica. Nesse sentido, por exemplo, foram agraciados o Papa João Paulo II, o ex-presidente americano Jimmy Carter, o Dalai Lama e, neste ano, o ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore e o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, na sigla em inglês), envolvidos na luta contra o aquecimento global.
Dos 779 prêmios concedidos até hoje para indivíduos e 19 para organizações, cerca da metade foi para os Estados Unidos (305) e para a Grã-Bretanha (114). Porém, 64 países como o Vietnã, as Ilhas Faroe, Gana, Nigéria, Timor Leste, Guatemala e Venezuela já tiveram laureados pelo Nobel.
O físico brasileiro Cesar Lattes (1924-2005) é freqüentemente citado como um brasileiro que merecia ter levado o Nobel de física. Lattes integrou a equipe que descobriu o méson pi e obteve a partícula em laboratório. Clique na imagem para ler um perfil de Lattes.
O predomínio dos Estados Unidos se fez notar sobretudo após a debandada em massa de cientistas europeus para esse país após a ascensão dos nazistas na Alemanha em 1933. Contudo, deve ser lembrado que o sucesso continua até hoje, graças ao investimento maciço desse país em instituições científicas com metas claras a serem alcançadas em médio e longo prazo. Esses investimentos em ciência e tecnologia são feitos sempre com base em uma filosofia pragmática e competitiva de gerenciamento e na descentralização das pesquisas realizadas em universidades e centros privados e públicos de pesquisa.
E o Brasil?
Neste ano, mais uma vez acompanhamos o anúncio do Nobel sem qualquer candidato brasileiro agraciado com o prêmio. Será que por aqui não somos capazes de fazer ciência de qualidade? Ou será que não temos ainda sorte ou influência para que um nome brasileiro seja selecionado por uma das comissões avaliadoras dos candidatos ao Nobel?
A segunda opção parece a mais correta. Alberto Santos-Dumont (1873-1932), pioneiro da aviação, Cesar Lattes (1924-2005), um dos descobridores do méson pi, Carlos Chagas (1879-1934), que descreveu a doença que leva seu nome, Oswaldo Cruz (1872-1917), que comandou a reforma sanitária do Rio de Janeiro, o romancista João Guimarães Rosa (1908-1967), o poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e o ativista dos direitos humanos Herbert de Sousa (1935-1997) são apenas alguns nomes, entre outros tantos, que poderiam ter sido agraciados com a premiação.
Além deles, existe atualmente uma série de cientistas e cidadãos competentíssimos que poderiam aspirar à láurea. Contudo, nosso país não é o único injustiçado. Basta lembra que o russo naturalizado americano George Gamow (1904-1968), um dos pais da teoria do Big Bang, o escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986) e o inventor americano (1847-1931) Thomas Edison nunca ganharam um Nobel. E mesmo o líder pacifista indiano Mahatma Gandhi (1869-1948) foi preterido pelo comitê do Nobel, apesar ter sido candidato por cinco vezes.
Se na atual conjuntura de nosso país alguém for escolhido, seria apenas uma feliz coincidência – ou talvez um trabalho isolado feito por alguém de qualidade excepcional. Contudo, sabemos que a escolha de um laureado com o Nobel só será possível se houver de maneira constante um investimento em ciência e tecnologia e uma mudança na postura política que passe a encarar a educação e a ciência com outros olhos e como um instrumento para o crescimento do país. No Brasil, por enquanto, infelizmente ainda estamos longe disso…
Jerry Carvalho Borges
Colunista da CH On-line
16/11/2007
SUGESTÕES PARA LEITURA
Espmark, K. The Nobel Prize in Literature. A Study of the Criteria behind the Choices. Boston: G.K. Hall & Co, 1991.
Feldman, B. The Nobel Prize: A History of Genius, Controversy, and Prestige. New York: Arcade, 2000.
Levinovitz, A.W., Ringertz, N. The Nobel Prize: The First 100 Years. London: Imperial College Press and World Scientific Publishing Co. Pte. Ltd., 2001.
The Nobel Foundation: http://nobelprize.org/nobelfoundation/index.html