Que seja infinito enquanto dure

Você é convidado a entrar numa sala desconhecida. No quarto à sua esquerda você vê, presa à cama para que não tente fugir, um belo exemplar do sexo feminino com quem você viveu, poucas horas antes, tórridas e repetidas cenas de amor. No quarto da direita, presa a outra cama, uma beldade igualmente atraente, mas que você nunca viu antes. A escolha é toda sua, e ninguém ficará sabendo. Para que quarto você prefere se dirigir?

A cena, que deve ser o sonho de muitos homens, é rotina em alguns laboratórios pelo mundo afora. Trata-se de um ’teste de fidelidade’ onde um animal indica aos pesquisadores suas preferências sexuais: em 80% dos casos, a fêmea visitada será aquela com quem ele havia feito sexo anteriormente. Faça o teste com uma fêmea e 90% das vezes o macho visitado será o seu parceiro, num exemplo de fidelidade de dar inveja a muita gente.

O animal em questão é o arganaz-do-campo ( Microtus ochrogaster ), um tipo de rato corpulento e de patas e rabo curtos que chamou a atenção da ciência e sobretudo da neurocientista Sue Carter, criadora do teste acima, por seu comportamento fortemente social e sua monogamia. Arganazes-do-campo vivem em colônias onde é comum os indivíduos buscarem contato físico com os outros, permanecendo agarradinhos boa parte do tempo. Após o acasalamento, macho e fêmea dividem o mesmo ninho, cuidam juntos da prole, mantêm os filhos adolescentes por perto, preferem a companhia um do outro à de qualquer desconhecido, e os ’maridos’ tornam-se agressivos com outros machos. Basta uma sessão de sexo e dali para frente outros candidatos a parceiros serão recusados, no melhor estilo felizes-para-sempre dos contos de fada.

O mesmo não ocorre, no entanto, com um primo próximo, o arganaz montanhês ( Microtus montanus ). Associais, esses bichinhos são promíscuos (no teste do quarto, não hesitam em escolher a fêmea desconhecida), não buscam contato físico com seus semelhantes, não dividem seu ninho, a fêmea cuida sozinha da prole e abandona os filhotes cedo. E novos parceiros são sempre bem-vindos.

De onde vem a diferença? Do sistema de recompensa do cérebro dessas espécies e sua capacidade de responder a dois hormônios liberados durante o orgasmo, segundo o trabalho de Carter, da Universidade de Maryland, e do também neurocientista Thomas Insel, hoje diretor do Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA.

Os 15 a 30 episódios de sexo em um período de 24 horas (!) que caracterizam o acasalamento de arganazes resultam na liberação dos hormônios ocitocina e vasopressina no cérebro. Arganazes-do-campo fêmeas, que passam com honras no ’teste de fidelidade’ acima, possuem numerosos receptores para a ocitocina no núcleo acumbente do sistema de recompensa, que permitem que o sistema seja ativado por esse hormônio liberado durante o sexo. Nos machos da espécie monógama, por sua vez, são os receptores para vasopressina, presentes em grande quantidade no sistema de recompensa, que fazem o trabalho.

O resultado? Se a ativação do sistema fosse causada pela injeção de uma droga como a cocaína quando o animal se encontrasse por acaso em certo ponto do quarto, o bichinho associaria o lugar à sensação de recompensa causada pela droga e tentaria passar o tempo todo naquele lugar ’bom’, torcendo para que a sensação aparecesse de novo. Assim como a droga, a ocitocina e a vasopressina liberadas durante o sexo agem sobre o sistema de recompensa e condicionam o animal a buscar outras vezes a situação que causou a ativação do sistema: a companhia do(a) parceiro(a) — e, se possível, sexo com ele(a). E querer estar na companhia do outro, como a gente sabe, é o primeiro passo para a formação de um casal estável.

Em comparação, arganazes montanheses machos e fêmeas, promíscuos por natureza, podem fazer sexo à vontade com um parceiro que os hormônios liberados no cérebro não ativarão o sistema de recompensa. Embora seu cérebro possua receptores para esses hormônios em várias estruturas, o sistema de recompensa não tem praticamente nada de receptor — e, portanto, não dá a mínima para o hormônio. Sem ativação do sistema de recompensa com os hormônios do sexo, nada de formação de preferência pelo parceiro — e o bicho não hesitará em escolher uma cara nova da próxima vez.

Soa familiar? Se serve de consolo, o ser humano é razoavelmente monógamo — ao menos enquanto dure cada relação. E em todos os animais monógamos estudados, o sexo — com orgasmo, para que haja liberação dos hormônios — é absolutamente necessário para que o cérebro prefira o parceiro a qualquer outro. Se você aceitar que tudo isso se aplica de alguma forma à espécie humana (e por que não se aplicaria? Nossa ocitocina, vasopressina e seus receptores são idênticos aos dos arganazes!), a tentação de tirar duas conclusões um pouco apressadas é absolutamente irresistível.

Primeiro, escolha com carinho quem você leva para a cama — porque periga o seu cérebro acabar mais amarrado do que você gostaria. E segundo, se você ficar mesmo amarrado, garanta a estimulação freqüente do sistema de recompensa do(a) seu(ua) parceiro(a). É a maneira mais certa de assegurar o seu acesso permanente. E a sua exclusividade também…

Fonte: Williams JR, Insel TR, Harbaugh CR, Carter CS (1994). Oxytocin administered centrally facilitates formation of a partner preference in female prairie voles ( Microtus ochrogaster). Journal of Neuroendocrinology 6, 247-250.

Winslow, J.T., Hasting, N., Carter, C.S., Harbaugh, C.R. and Insel, T.R., Central vasopressin mediates pair bonding in the monogamous prairie vole. Nature 365, 545-548 (1993)

Suzana Herculano-Houzel
O Cérebro Nosso de Cada Dia