Premido por compromissos profissionais inadiáveis, não terei como continuar editando esta coluna nos próximos meses – um tempo que não sei precisar, mas espero que seja breve. Não poderia ir embora sem contar, no entanto, que essas oportunidades a que agora me lanço representam o fruto que aqui plantamos: trata-se de uma disciplina de mestrado sobre física moderna e contemporânea, cujo conteúdo baseia-se nos textos da coluna, e de um livro cujo conteúdo também é baseado no material aqui publicado. Preciso de tempo para consolidar e integrar o vasto conteúdo aqui disponível. Como parte inicial desse trabalho, compartilho com os leitores, a título de retrospectiva, um levantamento temático do acervo.
A coluna teve início em 27 de abril de 2007, com o artigo “Um metal polivalente”. Falamos do titânio, que, em vez de estabelecer uma participação marcante em uma única tecnologia – como o ferro na metalurgia e o silício na indústria eletrônica –, tem amplo espectro de aplicações, da dessalinização da água do mar à spintrônica, passando pela produção de pigmentos em tintas, construção de artefatos na indústria aeronáutica, elaboração de próteses ortopédicas e dentárias, sensores de gás e baterias de carga rápida.
Daquele início até hoje, publicamos 107 artigos sobre inovação científica e tecnológica nas ciências da natureza, distribuídos nas seguintes áreas: eletrônica (41); ciências da vida (30); energia solar, eólica, nuclear e hidrogênio (9); fotossíntese (8); ensino de ciências (5). A física, tema principal da coluna, permeia todos esses temas, mas também estrelou sozinha 18 textos. O leitor atento faz as contas e percebe que o resultado é maior que 107 – propositalmente, aloquei alguns artigos em mais de um grande tema, em reconhecimento à interdisciplinaridade das matérias abordadas.
Com a temeridade de qualquer retrospectiva – forçosamente deixar coisas importantes de fora –, arrisco-me a uma lista de temas que marcaram os últimos anos.
Temas de destaque
Fundamentos de magnetismo foram discutidos em vários textos. Alguns deles tratam de aplicações tecnológicas desse fenômeno na medicina, como ‘Magnetismo, farmacologia e medicina’, ‘Nanopartículas que salvam vidas’ e ‘Histerese magnética: perdas e ganhos’. Outros voltam-se para aplicações na indústria eletrônica: ‘Um sonho prestes a se realizar’, ‘De Lord Kelvin a Fert e Grünberg’, ‘Um metal polivalente’, ‘Memórias magnéticas a caminho da indústria’ e ‘O nome errado para o produto certo’.
Esses textos obedecem a um padrão caracterizado pela exposição de inovações tecnológicas pouco conhecidas pelo grande público, mas bem documentadas na literatura especializada. Mas há também casos em que conseguimos perceber – por intuição ou sorte – tendências na área da inovação tecnológica e abordar esses temas ‘quentes’ antes mesmo que eles ganhem maior projeção.
Um bom exemplo disso é o caso do grafeno. O tema despertou meu interesse depois que li uma entrevista com o físico russo-britânico Konstantin Novoselov publicada na Science Watch em fevereiro de 2009. Uma rápida busca na Web of Science mostrou que o número de artigos publicados anualmente sobre grafeno cresceu lentamente de 2000 a 2005. Já em 2006, houve um crescimento de 73% em relação a 2005 e, em 2007, o número foi mais do que o dobro em relação ao ano anterior. Em 2008, o aumento foi de 80% em relação a 2007.
O crescimento abrupto a partir de 2006, que evidencia o grande interesse despertado pelo tema na literatura especializada, está relacionado à publicação de um artigo em 2004 na Science em que Andre Geim e Konstantin Novoselov descrevem como conseguiram isolar o grafeno. Em 27 de fevereiro de 2009, publiquei a coluna ‘Uma história de sorte e sagacidade’, na qual descrevi como o material foi descoberto por Geim e Novoselov e discuti algumas de suas propriedades. As pesquisas tecnológicas em torno desse material, relatadas nos meses seguintes na literatura especializada, motivaram-me a retomar o tema em 25 de junho de 2010, na coluna ‘Promessas tecnológicas do grafeno’. Em outubro daquele ano, Geim e Novoselov ganharam o Nobel de Física.
O aspecto que considero mais relevante nesta seção é o de contribuir para a transposição didática de temas contemporâneos de ciência e tecnologia. Essa característica vem se materializando na demanda de editoras de livros didáticos para a inserção de textos da coluna em livros para a educação básica. Além disso, temos recebido relatos de professores, do ensino médio à universidade, que usam a coluna em suas aulas, o que me motivou a elaborar uma metodologia para transformar o material da coluna em conteúdo didático.
Sem fugir do seu escopo inicial, em determinado momento a coluna tomou o rumo da interdisciplinaridade no ensino das ciências da natureza. Resultados de pesquisa interdisciplinar, sobretudo nas ciências da vida, têm sido a base da maioria dos textos recentes, elaborados com o claro objetivo de favorecer sua transposição didática, quer seja para cursos de licenciatura ou para componentes curriculares da educação básica.
O novo e o de novo
Para além de interesses comerciais e financeiros (patentes, venda de produtos, obtenção ou manutenção de emprego etc.), a obtenção de resultados científicos e tecnológicos inéditos representa o clímax da satisfação de um pesquisador. A divulgação desses resultados na literatura especializada tem a finalidade de garantir a paternidade da descoberta ou da invenção, mas, além disso, a publicação em revistas da área desempenha papel importante no avanço da ciência e da tecnologia – pois permite que outros construam novos resultados a partir dela. A originalidade e o ineditismo são exigências básicas para a publicação em revistas científicas de boa qualidade.
Já nos veículos de divulgação científica (DC) – como é o caso desta página –, o tema jamais é inédito, uma vez que, por definição, a DC trata de algo já publicado. O que se espera, para melhor qualificar a publicação, é que a abordagem seja original e o texto, bem escrito. É sempre agradável quando um texto de divulgação científica apresenta um tema bem conhecido sob uma ótica que foge ao lugar-comum, apresentado em uma prosa bem articulada.
A originalidade desses textos também pode surgir ao se destacar antecipadamente tendências de inovação científica ou tecnológica. O escopo da coluna ‘Do laboratório para a fábrica’ possibilitou esse tipo de antecipação, discutindo a ciência que está por trás de inovações científicas e tecnológicas consolidadas ou não. Os temas selecionados mensalmente resultaram de prospecção na literatura especializada (principalmente nas revistas Nature e Science), bem como em meios de divulgação de novidades da ciência e tecnologia (principalmente a PhysicsWorld).
Geralmente, os temas selecionados se encontravam na ordem do dia. Uma vez selecionados, buscamos elaborar um texto que atingisse o grande público, sem perda considerável do nível conceitual, isto é, procuramos transformar um material estruturado sobre uma base conceitual complexa em uma história que pode ser lida e compreendida sem a necessidade de conhecimento prévio desses conceitos básicos.
Na última década, escrever mensalmente para um público amplo sobre os temas que discutimos em laboratório, entre especialistas, foi, para mim, um exercício e uma reflexão sobre a divulgação científica em si. Não posso deixar de registrar meu elogio ao modo como o Instituto Ciência Hoje viabiliza essa atividade, em uma admirável parceria entre cientistas e jornalistas. O conhecimento científico de uns e a habilidade verbal dos outros resulta em textos da melhor qualidade nos diferentes veículos impressos e digitais por ele mantidos.
Professor aposentado do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)